NASCE A OCUPAÇÃO CHAGUINHAS NA CAPITAL DE SÃO PAULO

Nasce a Ocupação Chaguinhas na Capital de São Paulo, denunciando a falta de moradia e o preço abusivo dos aluguéis, a alta do preço dos alimentos, a jornada exaustiva de trabalho e o direito à moradia digna.
Redação SP | São Paulo (SP)

(…)
Mas veja ainda estou aqui
Mas veja…
São Paulo meu,
Esse não mais é um outro adeus
Dias e dias se foram sei.

Paulicéia desvairada me acordou.
Na voz dos meus, desfilo esse lamento.
Pranto de outros tempos.
Quando a corda se rompeu.
Lembrança de tempos inglórios.
Que um dia se quis esquecer.
História de negros despertos.
Que um dia ainda hão de rever.
(…)

Rua da Glória. Aloysio Letra

Desde a noite da última quinta-feira (20), cerca de 80 famílias sem-teto ocuparam um prédio abandonado há mais de 10 anos na capital de São Paulo, denunciando a falta de moradia e o preço abusivo dos aluguéis, a alta do preço dos alimentos, a jornada exaustiva de trabalho e o direito à moradia digna.
A Ocupação Chaguinhas, homegeia Francisco José das Chagas, homem preto, trabalhador, que atuando como cabo do primeiro Batalhão dos Caçadores de São Paulo, liderou uma das grandes revoltas da época, organizada para lutar pelo aumento dos salários. A grande mobilização, protagonizada pelos negros militares, foi duramente reprimida pelo Estado Brasileiro, que condenou Chaguinhas a morte.
No dia de seu enforcamento, a corda arrebentou três vezes, mas o povo estava ao seu lado e clamou por liberdade. Com medo da revolta popular, o Estado assassinou o líder do levante à pauladas, gerando ainda mais revolta e clamor popular.
A luta de Chaguinhas segue viva hoje nas famílias da Ocupação Francisco José das Chagas, em cada trabalhador e trabalhadora, e nas famílias organizadas pelo MLB, que seguem lutando pelo aumento do salário mínimo, melhores condições de trabalho e direito à moradia.
As famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), são compostas em sua maioria por mulheres negras e mães, trabalhadoras e trabalhadores, crianças e idosos que têm vivido o sob o fardo da falta de moradia, do desemprego, pela fome e buscam na ocupação uma saída para conquistar o direito à moradia digna, e também pelo direito de se alimentar dignamente, de se livrar das enchentes e da violência policial que os assolam seus bairros.
“Trabalho a vida inteira, desde muito novo, e trabalho muito, mas é impossível um pai de família trabalhador ter a perspectiva de comprar uma casa. A gente ganha um salário de fome, e o aluguel não dá pra pagar, a gente morava num bairro lá no fundo da cidade, onde alaga ainda pro cima. Pra ir trabalhar são três ou quatro conduções, é caríssimo! E aí tem o mercado, que não tem como comprar nem o mínimo mais, tudo aumentou! Não dá pra viver desse jeito, é por isso que nós estamos aqui lutando, e é uma luta justa. Nós temos direito de viver com dignamente, não vamos mais aceitar viver nessa humilhação”, conta Rafael, morador da Ocupação Chaguinhas.

Foto: Estéfani MacielTerritório livre da fome
A carestia da vida assola o nosso povo diariamente. Nos últimos meses, os preços dos alugueis subiram 13,5%, a tarifa da energia elétrica subiu 17%, o preço do ovo de galinha 15,2%, o arroz 8%, a carne bovina 20%, os combustíveis 3%.
Com um salário mínimo de R$ 1.518,00, como uma mãe de família paga aluguel, conta de água e luz, alimentos e roupas, transporte? Trabalha o mês inteiro, dentro e fora de casa, mas nunca tem dinheiro, a conta não fecha e o dinheiro do aluguel tira a comida da boca das crianças.
Só através da luta coletiva e organizada é possível resolver essas mazelas. A Ocupação Chaguinhas levanta a bandeira de Território livre da fome. As famílias do MLB se fortalecem unidas, pra garantir nossa alimentação, a creche para as crianças, a educação e alfabetização através da Escola Eliana Silva.
Apenas no ano passado, o MLB conquistou 750 toneladas de alimentos a partir das lutas, assim como conquistou milhares de moradias e acendeu um farol de esperança para uma nova sociedade. E como esta luta, a luta das ocupações, é ainda mais profundo, as famílias se organizam para sair da pesada cruz do aluguel e para não precisar mais ter que escolher entre morar ou comer.

Foto: Guilherme Farpa

Chaguinhas, presente!
Em 1700, no Centro de São Paulo, mas especificamente no bairro da Liberdade, foi criado o primeiro centro de segurança pública, tortura, punição e morte. A Forca, localizada onde hoje é Praça da Liberdade, assassinava aqueles que eram criminalizados por serem contra o regime colonial-escravista, e executou e esquartejou escravizados como João Congo e José Crioulo, transportando suas cabeças para exposição nas cidades de Itu, São Carlos e Porto Feliz por se rebelarem contra os burgueses e fugirem.
Era por ali mesmo, nos arredores da forca, que os que não tinham os corpos completamente mutilados pelo centro de punição, tortura e morte eram enterrados no Cemitério da Capela dos Aflitos, que existe até hoje.
Seguindo o exemplo dos operários que lutaram, das mulheres que organizaram os bairros contra a carestia, Chaguinhas comandou a revolta dos militares de Santos por suas remunerações atrasadas e por igualdade de direitos entre soldados, foi espancado porque a corda insistia em não se romper. O povo gritou “LIBERDADE! LIBERDADE!” e escancarou o medo que os burgueses tinham de surgir um novo Jean-Jacques Dessalines para fazer uma revolução no Brasil.
O povo negro e trabalhador resiste desde o período da escravização a toda opressão e massacre do Estado, e sempre lutou de pé e de cabeça erguida, cobrindo greves, revoltas e se organizando, dobrando os senhores de escravos e os capitalistas de ontem e de hoje.
Na nossa época não tem sido diferente. O Brasil é um dos maiores exportadores de alimento do mundo, enviando milhões de toneladas de carne e grãos para os países imperialistas, enquanto 30 milhões de brasileiros passam fome e 64 milhões não tem o que comer quase todos os dias. Além disso, no país existem mais de 11 milhões de domicílios vagos (sem contar prédios e terrenos abandonados) enquanto a quantidade de famílias que não tem teto ou vivem em moradias precárias já atinge mais do que 8.8 milhões.
Para piorar ainda mais, não temos nenhum direito assegurado pelo Estado, a violência tem crescido e a quantidade de desastres “climáticos” que atingem mais o povo pobre também. Apenas da metade de dezembro para cá, mais de 19 pessoas morreram no Estado de São Paulo em decorrência das fortes chuvas e alagamentos, por responsabilidade do governador fascista Tarcísio de Freitas e do Prefeito Ricardo Nunes Mortes que acontecem nos nossos bairros e com gente próxima de nós e que podiam ser evitadas. Mas não precisa ser assim!
É possível ter casa e comida pra todo mundo, tem riqueza pra construir mais escolas, mais hospitais, mais de tudo o que vai melhorar a vida dos trabalhadores. A única coisa que não tem é vontade dos ricos e dos governantes. Por isso, a nossa luta vai para além da moradia digna, é uma por uma sociedade onde todo mundo tenha onde morar, onde as trabalhadoras e trabalhadores estejam no poder, mandando onde vai investir, escolhendo o que vai produzir, se vai exportar ou vai pro mercado interno, a sociedade socialista.
“Nós estamos aqui lutando pelo direito a morar dignamente. Aqui tem gente que tá saindo da cruz do aluguel, que tá vindo para cá por que não aguenta mais sofrer com as enchentes, sofrer com violência policial que têm aumentado no Centro. Nós estamos aqui para lutar contra os despejos, para sair dos bairros mais distantes das cidades onde temos que pegar até 4 ou 5 conduções que estamos caríssimas e já não conseguimos mais pagar. Estamos aqui porque não da mais pra viver desse jeito e a gente não quer mais viver de cabeça baixa, chega! Morar, comer, ter acesso à cidade, não ter que viver com água no joelho, é um direito nosso e nós vamos conquistar! Essa Ocupação é só o começo, porque a gente sabe que a luta é maior, a nossa luta é por uma outra sociedade em que nenhuma mãe de família, nenhuma mulher idosa, precise passar por tantas humilhações e possam ser senhoras de suas vidas. Nós queremos acabar com esse sistema da fome”. Irani, moradora da Ocupação Chaguinhas.

Por moradia digna e contra a fome!
Em memória à vida e luta de Chaguinhas e de tantos outros heróis do povo!
Viva a luta das famílias do MLB!

Foto: Guilherme Farpa

Foto: Guilherme Farpa

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