O autocuidado não deve ser mais uma tarefa, diz psicóloga – 25/03/2025 – Equilíbrio


Para a psicóloga Dasha Kiper, existe um processo de desumanização em curso quando se trata de cuidadores de pessoas doentes. “As pessoas dizem coisas como ‘ah, você é cuidador, você é um santo, você é um heroi’”, afirma. Santos e heróis, ela diz, nunca ficam bravos ou são irracionais. “Eles desejam, às vezes, que a pessoa com demência de quem estão cuidando só finalmente morra.”

A frase soa polêmica, mas a autora de “Viagens a Terras Inimagináveis”, uma investigação do mundo de quem cuida de pacientes com doenças neurodegenerativas, diz que a ouve com frequência.

Kiper coordena iniciativas de acolhimento psicológico para esses cuidadores. Um dos aspectos que ela enfatiza é o papel do autocuidado. “Falar sobre isso exige cautela porque insistir que um cuidador se cuide pode soar como mais uma tarefa”, diz.

Ela afirma que o processo de se cuidar em meio à tarefa de cuidar de outra pessoa ganha contornos específicos em casos de demência e doenças neurodegenerativas. “São doenças que não duram seis meses. É uma maratona. É necessário pensar no longo prazo e se preservar.”

Essa autopreservação de que ela fala pode ter muitas caras, e cada pessoa deve se questionar sobre que tipo de atitude ou atividade vai causar esse efeito. Pode ser algo como sair de casa para um passeio, ir ao salão de beleza, encontrar os amigos.

Parecem pequenos passos, mas que, segundo Kiper, podem ser um salto para os cuidadores. “É [um processo de] pedir que essas pessoas coloquem as necessidades delas acima das do outro”. Ela explica que, em muitos casos, eles sentem que não podem se separar dos pacientes e ficam o tempo todo isolados nas tarefas de cuidado.

A psicóloga diz acreditar que os casos de doenças neurodegenerativas têm aspectos específicos que tornam ainda mais urgente que os cuidadores também se cuidem.

“O autocuidado é importante porque a demência destrói a necessidade que nossos cérebros têm de conexão humana. Autocuidado, nesse caso, é que o cuidador tenha um lugar em que possa criar essas conexões, que não existem mais naquela outra relação”, diz.

A convivência com pacientes com demência pode ser desafiadora. A psicóloga explica que são pessoas que passam a viver num ambiente interno em que tudo é confuso. Isso se soma ao declínio da capacidade de controlar o humor. A questão é que, ao observar os cuidadores, ela diz ter notado que um processo parecido ocorre com eles, mas sem a estrutura neurológica para que isso se explique.

É o que ocorre quando uma pessoa grita com a mãe de 90 anos com Alzheimer e se sente terrível logo depois. “Temos o aparato para entender o motivo de uma pessoa com demência se comportar assim, mas não para entender se um cuidador o fizer”, afirma.

Para Kiper, não é só o cérebro doente que sofre e se desconfigura. “São, no mínimo, duas mentes em perigo”, diz. “Normalmente, é uma família toda.”

Tal cenário, segundo a autora, demanda uma mentalidade à parte. São doenças que exigem que os cuidadores não briguem com os pacientes, já que é impossível discutir.

Ela diz acreditar que, embora os seres humanos sejam bons lidando com o estresse, isso ocorre quando a dificuldade é compartilhada. “Isso ajuda a regular nossas emoções, a pensar com clareza, nos faz tomar decisões mais inteligentes e cuidadosas”, afirma. Com a solidão do cuidado com a demência, isso tudo entra em declínio. “Falta a conexão que nos daria essa estabilidade em tempos difíceis.”

É por causa dessa desconexão que Kiper ressalta a importância da socialização como ferramenta de autocuidado.

“Quando uma pessoa tem demência, é impossível compartilhar o mundo com ela”, diz. “Se alguém tem câncer, podemos reclamar de um médico juntos, podemos nos preocupar juntos com o futuro. Na demência, não só isso se torna impossível como o paciente muitas vezes insiste que não há nada de errado.”

Kiper afirma que, no caso de seus pacientes cuidadores, são aqueles pequenos passos —ir ao salão, encontrar os amigos— que furam o ciclo de solidão. Ter uma vida fora do papel de cuidado é importante, inclusive tendo em vista que esta é uma função que chega ao fim.

“Quando você perder essa pessoa, não quero que a sua identidade e seu senso de propósito se percam junto. E é comum que cuidadores, ao perder aquela pessoa de que cuidam, fiquem sem senso de identidade. Mesmo se for uma identidade que foi imposta a eles.”



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