Flip com Leminski tensiona pop e cabeça para atrair leitor – 27/03/2025 – Ilustrada


Então é isso a poesia? Muitos jovens se terão feito essa pergunta, com um sorriso no rosto, ao se deparar com a obra de Paulo Leminski.

Seus poemas —quase sempre breves, tantas vezes humorados—, transmitem a leitores iniciantes uma alegria que surge do próprio uso da linguagem. Só depois a erudição do poeta fica mais evidente.

Por isso, não é à toa que a curadoria da Flip tenha eleito o curitibano como autor homenageado da próxima edição, em julho.

A editora e livreira Ana Lima Cecílio, à frente da programação de novo, logo lembrou os dados da última da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Pela primeira vez, há mais gente que não lê do que gente que lê no país; e olha que o critério de leitor usado no levantamento é bastante amplo.

Ao cenário de fuga de leitores, ainda soma-se outro: as pesquisas do setor mostram uma queda de faturamento no mercado de livros. Em um contexto assim, é normal surgirem vozes a lembrar que uma das missões de festas literárias é justamente formar leitores.

É uma cobrança que a Flip ouve desde o começo e que, muitas vezes, adquire um tom equivocado, já que certos críticos parecem querer que o evento paratiense se transforme em uma Bienal do Livro —mais jovem, mais pop, com mais autores comerciais. Dessa forma, a festa se vê no centro do velho embate entre a ficção literária e literatura comercial ou de entretenimento.

Poucos encarnam a tensão entre o pop e o cabeça, que é a mesma em que a Flip se equilibra, como Leminski.

É um autor de grande erudição, com uma linguagem marcada pela concisão e pelo rigor, mas que joga com a quebra de expectativas e a irreverência.

E que tal o currículo heterodoxo dele? O curitibano traduziu James Joyce e Yukio Mishima; deu aulas em cursinhos; trabalhou com publicidade; biografou Trótski e Matsuô Bashô; escreveu o experimental “Catatau”; e compôs músicas com nomes como Itamar Assumpção e Caetano Veloso.

Seus livros, como “Distraídos Venceremos” e “Caprichos e Relaxos”, eram objeto de culto mesmo nos anos que passaram esgotados e só era possível achá-los em sebos. Quando a Companhia das Letras lançou o volume “Toda a Poesia”, em 2013, a edição rapidamente se tornou um best-seller, hoje se aproximando dos 200 mil exemplares vendidos.

Uma obra que aponta em tantas direções —inclusive para a música popular—, parece sob medida para uma Flip que busca reencontrar o seu público depois de anos de crise com a pandemia. Ao mesmo tempo, permite que a festa continue o movimento —iniciado em 2013, com a homenagem a Millôr Fernandes— de buscar oxigênio em autores cujo lugar no cânone não está assegurado.

A Flip também parece mandar um recado de que não pretende se render à hegemonia do mega-seller, mas que deseja, sim, um diálogo amplo com o público e se preocupa com a formação de leitores. O Brasil tem autores que podem ser trabalhados nesse sentido.

O bibliófilo José Mindlin tinha estampada, nos volumes de sua coleção, uma frase de Montaigne: “je ne fais rien sans gayeté”, ou “não faço nada sem alegria”. Era um recado de que, nos livros, o colecionador estava atrás sobretudo do prazer.

Esse contentamento está na formação de cada leitor. Com a experiência, a alegria passa a jorrar de obras sombrias, desesperadas, safadas, fragmentadas ou catataus complicadíssimos –mas é preciso primeiro ser apresentado a ela. Leminski costuma ser um bom começo.



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