Hillary Clinton: Até onde vai a burrice? – 28/03/2025 – Mundo


Não é a hipocrisia que me incomoda; é a estupidez. Estamos todos chocados —chocados!— ao descobrir que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua equipe não se importam de verdade com a proteção de informações confidenciais ou com as leis de retenção de registros federais. Mas isso já sabíamos. O que é muito pior é que altos funcionários do governo Trump colocaram nossas tropas em perigo ao compartilhar planos militares em um aplicativo de mensagens comercial e, sem querer, convidaram um jornalista para o bate-papo. Isso é perigoso. E é simplesmente burrice.

Esse é o mais recente de uma série de erros autoinfligidos pelo novo governo, que está desperdiçando a força dos Estados Unidos e ameaçando a segurança nacional. Demitir centenas de funcionários federais encarregados de proteger nossas armas nucleares também é burrice. Assim como encerrar os esforços para combater pandemias exatamente quando um surto mortal de ebola se espalha pela África. Não faz sentido expulsar generais talentosos, diplomatas e espiões num momento em que rivais como China e Rússia tentam expandir seu alcance global.

Em um mundo perigoso e complexo, não basta ser forte. É preciso também ser inteligente. Como secretária de Estado durante o governo Obama, defendi o uso do “poder inteligente”, integrando o poder militar ao poder diplomático, à assistência ao desenvolvimento, à força econômica e à influência cultural. Nenhuma dessas ferramentas pode fazer o trabalho sozinha. Juntas, elas fazem dos Estados Unidos uma superpotência. A abordagem de Trump é o “poder burro”. Em vez de um país forte usando todos os seus recursos para liderar o mundo e enfrentar adversários, a América de Trump será cada vez mais cega e desajeitada, fraca e sem aliados.

Vamos começar pelo setor militar, já que é isso que ele diz valorizar. Não se deixe enganar pela pose. Trump e o secretário de Defesa, Pete Hegseth (famoso pelo grupo de mensagens), estão mais preocupados em travar batalhas performáticas contra a “cultura woke” do que em preparar os EUA para confrontos reais com seus inimigos. Alguém realmente acha que apagar homenagens aos aviadores de Tuskegee nos torna mais seguros? O Pentágono de Trump removeu imagens do avião que lançou a bomba atômica que encerrou a Segunda Guerra Mundial porque seu nome era Enola Gay. Burrice.

Em vez de trabalhar com o Congresso para modernizar o orçamento militar conforme as ameaças mudam, o presidente está demitindo generais sem justificativa plausível. Cinco ex-secretários de Defesa, republicanos e democratas, alertaram que isso “prejudicaria nossas forças armadas voluntárias e enfraqueceria nossa segurança nacional”. As demissões também atingem as agências de inteligência. Como disse um ex-agente sênior: “Estamos atirando na própria cabeça, não no pé”. Nada inteligente.

Se eles são tão imprudentes com o poder militar dos Estados Unidos, não é surpresa que estejam destruindo o poder diplomático. Como ex-secretária de Estado, estou particularmente alarmada com o plano do governo de fechar embaixadas e consulados, demitir diplomatas e acabar com a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

Deixe-me explicar por que isso importa, pois o impacto da diplomacia muitas vezes não é tão reconhecido quanto o de tanques e caças.

Visitei 112 países e viajei quase 1,6 milhão de quilômetros como principal diplomata dos Estados Unidos. Vi de perto o valor de termos uma presença no exterior. As Forças Armadas americanas sabem há muito tempo que nossas tropas devem estar estrategicamente posicionadas para projetar poder e reagir rapidamente a crises. O mesmo vale para nossos diplomatas. Nossas embaixadas são nossos olhos e ouvidos, fornecendo informações cruciais para decisões políticas em casa. Elas são base para operações que nos mantêm seguros e prósperos, desde o treinamento de forças antiterrorismo estrangeiras até o apoio a empresas americanas em novos mercados.

A China entende a importância da diplomacia bem posicionada. Por isso, tem aberto mais embaixadas e consulados pelo mundo e agora possui mais que os Estados Unidos. A retirada do governo Trump deixará o caminho livre para Pequim expandir sua influência sem oposição.

Diplomatas conquistam amigos para os EUA, evitando que fiquemos isolados em um mundo competitivo. Foi assim que conseguimos reunir apoio na ONU para impor sanções devastadoras ao programa nuclear do Irã e forçar Teerã a interromper seu avanço em direção à bomba atômica —algo que a retórica vazia de Trump fracassou em fazer. (Aliás, ele chegou a cortar o financiamento dos inspetores que monitoravam as instalações nucleares iranianas. Burrice.)

A diplomacia traz um bom custo-benefício, especialmente quando comparada à ação militar. Evitar guerras sai mais barato do que travá-las. O próprio ex-secretário de Defesa de Trump Jim Mattis, um general quatro estrelas da Marinha, disse ao Congresso: “Se vocês não financiarem plenamente o Departamento de Estado, precisarei comprar mais munição”.

Nossa assistência ao desenvolvimento sempre foi uma pequena parte do orçamento federal, mas tem um impacto desproporcional na estabilidade internacional, especialmente quando combinada com diplomacia eficaz. Quando os dólares americanos ajudam a conter uma fome, um surto epidêmico, respondem a um desastre natural ou abrem escolas, conquistamos corações e mentes que poderiam ser atraídos por terroristas ou rivais como a China. Reduzimos fluxos migratórios e fortalecemos governos aliados que poderiam colapsar.

Não quero fingir que a política externa americana é perfeita ou fácil. Liderar é difícil. Mas nossa melhor chance de acertar e manter o país seguro é fortalecer nossas instituições, não destruí-las. Devemos investir nos patriotas que servem nosso país, não atacá-los.

Reformas inteligentes podem tornar as agências federais, incluindo o Departamento de Estado e a Usaid, mais eficientes. Durante o governo Clinton, meu marido implementou a iniciativa Reinventando o Governo, liderada pelo vice-presidente Al Gore, para modernizar a burocracia, profissionalizar a força de trabalho e economizar bilhões de dólares. Em muitos aspectos, foi o oposto da abordagem destrutiva do governo Trump. Hoje, eles não estão reinventando o governo; estão demolindo-o.

Tudo isso é ao mesmo tempo burro e perigoso. E nem mencionei o estrago que Trump está causando ao se aproximar de ditadores como Vladimir Putin, ao destruir alianças que ampliam nosso alcance e compartilham nossos encargos, e ao corroer nossa influência moral ao minar o Estado de Direito em casa. Ou como ele está arruinando nossa economia e aumentando nossa dívida nacional.

Propagandistas em Pequim e Moscou sabem que estamos em uma disputa global sobre qual sistema de governo prevalecerá. Líderes e povos ao redor do mundo observam se a democracia ainda pode entregar paz e prosperidade —ou se nem sequer pode funcionar. Se os EUA forem governados como uma república de bananas, com corrupção desenfreada e um líder que se coloca acima da lei, perderemos essa disputa. E também perderemos os valores que tornaram os EUA únicos e indispensáveis.

Se há uma estratégia por trás disso, eu não sei qual é. Talvez Trump queira voltar ao século 19, ao conceito de esferas de influência. Talvez ele esteja apenas tomado por rancores pessoais e completamente despreparado. Como empresário, ele quebrou seus cassinos em Atlantic City. Agora, está num jogo de apostas com a segurança nacional dos EUA. Se isso continuar, um erro em um grupo de mensagens será o menor dos nossos problemas —e nem todos os emojis de punho e bandeira do mundo poderão nos salvar.



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.