O STF deve definir regras para intervenções policiais no Rio de Janeiro? NÃO – 28/03/2025 – Opinião


O recente posicionamento do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao estabelecer diretrizes para operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro (a arguição de descumprimento de preceito fundamental 635, a ADPF das Favelas), levanta questões cruciais sobre a separação dos Poderes e suas respectivas competências.

Embora a intenção de promover a proteção dos direitos humanos e a redução da letalidade policial seja louvável, é necessário questionar se o STF ultrapassou os limites de sua função jurisdicional.

A Constituição Federal de 1988 delineia as atribuições dos três Poderes, estabelecendo entre Legislativo, Executivo e Judiciário independência e harmonia. Cada qual possui responsabilidades específicas, sendo vedado a um Poder invadir a esfera de competência do outro.

A gestão e a execução das políticas de segurança pública, por sua vez, são responsabilidades primárias do Poder Executivo (art. 144 da Constituição Federal), a quem cabe, por meio de seus órgãos e agentes de polícia, planejar, coordenar e implementar protocolos operacionais que visem à manutenção da ordem pública e à proteção dos cidadãos.

Já ao Supremo cabe a guarda da Constituição, atuando como intérprete máximo das normas constitucionais e árbitro nos conflitos que envolvam sua aplicação. Tem, assim, o dever de contenção de abusos praticados que afrontem os mandamentos da Lei Maior.

Ao se autoinvestir da condição de idealizador de regras para a atuação operacional policial, o STF invade seara típica do Poder Executivo e, em certa medida, do Legislativo. Essa postura levanta preocupações acerca do respeito ao princípio da separação dos Poderes e da manutenção do equilíbrio institucional. Aliás, ultimamente, uma das críticas recorrentes à corte é o seu exacerbado ativismo.

E quando o Estado não cumpre com a sua obrigação? É possível eximir-se desse mister ou transferi-lo para outro Poder, de forma correcional ou reparatória? Entendemos que, em situações extremas e pontuais, sim.

A dignidade da pessoa humana, parametrizada pelos princípios do mínimo existencial e da vedação ao retrocesso, ou seja, o conjunto de direitos sociais que asseguram as condições básicas para uma vida digna, evitando que conquistas já alcançadas pelo cidadão sejam desconstituídas, possibilita que o Poder Judiciário, em especial a Suprema Corte, corrija eventuais distorções, ao reconhecer a violação massiva de direitos fundamentais.

Foi o que aconteceu quando o STF, ao julgar a ADPF 347, em outubro de 2023, declarou o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro e determinou que a União, os estados e o Distrito Federal elaborassem um plano de intervenção para reduzir a superlotação e outros problemas. Ou seja, o ativismo judicial da Suprema Corte foi essencial para detectar os desvios do gestor público e alertá-lo para a necessidade da solução do problema. E parou por aí. Não lhe coube estabelecer diretrizes operacionais como agora.

A ingerência do Judiciário em atribuições notadamente executivas pode criar precedentes que fragilizam a autonomia dos Poderes, desvirtuando o sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição.

Embora seja essencial buscar a melhoria das práticas de segurança pública e a proteção dos direitos fundamentais, é papel institucional do Executivo o estabelecimento das diretrizes da atuação policial.

Não cabe à corte constitucional formular a política de segurança pública que governantes eleitos devem implementar.

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