Meu pai me ensinou a pagar tudo à vista; hoje, discordo dele – 29/03/2025 – De Grão em Grão


Muitos dos nossos hábitos financeiros são herdados da infância. Eu mesmo luto para me desvencilhar de alguns. Lembro que meu pai repetia com orgulho: “Não devo nada a ninguém e pago tudo à vista.” Na época, parecia sinal de responsabilidade. Hoje, entendo que era, talvez, uma forma de afirmar controle diante da falta de recursos.

No início da carreira dele, nossa família enfrentou dificuldades. Moramos em uma casa simples, cedida pela minha avó, na Rua Elvira Pinho no bairro Montese, em Fortaleza. Mas com o tempo e muito esforço, nossa realidade mudou. Meu pai, funcionário concursado do Banco Central, evoluiu e nossa família também. Tenho muito a agradecer.

Ainda assim, esse velho mantra de “pagar tudo à vista” continuou rondando meus pensamentos. Já adulto e trabalhando no meu primeiro emprego como analista de empresas que percebi: empresas não pagam tudo à vista. Grandes investidores também não. Por quê? Porque entendem que usar bem o dinheiro é mais importante do que simplesmente não ter dívidas.

Claro que não estou dizendo para sair se endividando. É muito importante entender do custo de dívida, mas também do custo oportunidade de ter dinheiro aplicado. Fundamentalmente, é preciso distinguir dois conceitos, usualmente, atribuídos como iguais: empréstimo e financiamento. O primeiro é recorrer ao banco sem um destino específico, o que é, normalmente, um erro. O segundo é usar o dinheiro de terceiros com uma finalidade clara e bem planejada.

A maioria das pessoas acha que liquidez é dinheiro parado. Mas não deveria ser. Uma boa liquidez está sempre investida, rendendo próximo do CDI. E o CDI no Brasil sempre foi uma taxa de juros interessante. Gastar esta reserva financeira sem pensar é como vender um imóvel valioso só para usar parte na comprar de um carro. Você não faria isso, certo? Pois o dinheiro investido também é parte do seu patrimônio.

Mas, atenção, se você ainda não tem reserva de emergência, financiar algo talvez não seja o melhor caminho. Entretanto, com planejamento, pode ser. Como dizem nas finanças corporativas, empresas não costumam quebrar por insolvência, mas por falta de liquidez. E o mesmo vale para pessoas.

Vamos a um exemplo. Imagine alguém com R$ 400 mil investidos que pretende trocar seu imóvel atual de R$ 500 mil por outro de R$ 1 milhão em alguns anos, à medida que a família cresce. Muita gente diria que o plano está pronto e não é necessário fazer mais nada. Mas se ele usar todo o capital de uma vez, pode ficar vulnerável a qualquer imprevisto.

Mesmo empresas bem-sucedidas e com elevada geração de caixa contraem financiamentos com custo mais baixo que o retorno de seus ativos, pois sabem que isto alavanca, ou seja, eleva o retorno sobre o seu capital.

Veja o exemplo das empresas geradoras de energia elétrica. Por exemplo, a Engie tinha no quarto trimestre de 2024 um caixa disponível de quase R$ 4 bilhões, mas carregava uma dívida de R$ 24 bilhões. Se a Engie não tivesse financiado seus projetos de forma inteligente, não teria alavancado seu ativo para o tamanho que é hoje.

No caso de uma pessoa física, uma alternativa inteligente de usar capital de terceiros barato seria, por exemplo, a contratação de um consórcio. Ele permite planejar a compra, evitar os juros altos do financiamento bancário e, ainda, manter parte do patrimônio financeiro aplicado. Isso é fazer o dinheiro trabalhar a seu favor.

Muitos não se planejam e deixam para pagar tudo à vista ou perdem toda a liquidez dando uma entrada e financiando o restante na aquisição de um imóvel. Estes correm o risco do imponderável. Seria como se a Engie com toda a sua dívida não tivesse qualquer caixa livre. Imagine se de repente ocorre uma emergência e ela precisa de dinheiro? Recordando, empresas quebram, na maioria das vezes, por falta de liquidez.

Ter um bom planejamento financeiro é mais do que pagar à vista ou não dever. É ter reservas, previsibilidade e flexibilidade. E, às vezes, isso passa por aceitar que pagar em parcelas pode ser sinal de sabedoria e não de fraqueza. Se você quer entender melhor sobre formas de financiamento mais inteligentes e de alavancagem patrimonial, vou fazer uma palestra online e gratuita nesta segunda-feira às 19 horas (inscreva-se). A verdadeira liberdade financeira não está em pagar tudo à vista, mas em ter opções. E quem tem liquidez, tem poder de escolha.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.

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