‘Adolescência’ retrata uma família ‘normal’? – 31/03/2025 – Vera Iaconelli


A série “Adolescência” ainda levanta questões a serem discutidas. A mais insistente diz respeito às razões que levariam um menino de 13 anos a esfaquear uma colega.

O filme carrega nas tintas ao retratar a escola como um ambiente caótico e hostil enquanto aponta o perigo das redes sociais. No entanto, sabemos que mesmo escolas que oferecem as melhores condições pedagógicas, nas quais não pairam dúvidas sobre a implicação do corpo docente, padecem da violência entre alunos.

Temos exemplos recentes disso e eles corroboram o efeito subterrâneo da internet nas relações sociais. Não cansaremos de afirmar a necessidade de coibir o uso do celular nesse ambiente e a seletividade e regulação de seu uso fora dele.

Por outro lado, existe uma certa condescendência em relação à família retratada. Famílias fazem uma aposta de longo prazo na criação de filhos, e só o tempo é capaz de dizer o que resultará dela. Recebemos uma educação que nos marcou, consciente e inconscientemente, estamos imersos na cultura de uma época, vivemos inúmeras experiências ao longo de nossas vidas.

Famílias são compostas do encontro desses diferentes repertórios de seus integrantes. Além disso, cada filho será tratado de forma particular e responderá a isso de maneira única. Os resultados nunca serão previsíveis.

O pai interpretado na obra fala de sua decisão de não espancar os filhos como seu próprio pai o espancava. Fala também de seu embaraço em ver o filho não corresponder às suas expectativas no esporte.

O menino demonstra pendor para o desenho, uma qualidade talvez menos viril aos olhos de ambos. Que ele retrate o pai ao final do filme, momento crucial para o adolescente, não é um detalhe menor: assumir-se como sujeito não vai sem responsabilizar-se por seus atos.

As mulheres retratadas no núcleo familiar são passivas e focadas em manter a figura do pai íntegra. Os assuntos pendentes entre o casal fazem ruído, revelando que não basta amar; há que falar sobre os demônios de cada um. A filha, que poderia ser a porta-voz de uma nova geração de mulheres, não representa uma alternativa para o casal convencional.

O amor, o cuidado são palpáveis, mas os padrões de gênero que fomentam a violência masculina e a condescendência feminina permanecem lá em nome da família.

Os pais de Jamie não são monstros, seu sofrimento é tão sincero e palpável que fica difícil não se identificar com eles. Mas incorrem em erros que devem nos fazer refletir se quisermos entender as brechas exploradas por grupos misóginos na internet.

A família comum não é necessariamente “normal”, é apenas corriqueira.

Outra questão diz respeito às demais representações femininas no filme. Há quem se incomode com o choro da psiquiatra após o atendimento do jovem. Diante da violência e da miséria psíquica e social com a qual se depara, ela teria que seguir a cartilha masculina e esconder seus sentimentos até de si mesma?

Não nos cabe seguir o exemplo dos homens no trato com os afetos —sabemos no que isso dá.

Quanto ao filme ter sido escrito e dirigido por homens, penso que cabe a eles tomarem posição frente à violência que perpetuam. Estamos exaustas de fazer isso em seu lugar.


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