Morte de corais é risco grave para praias em todo o mundo – 31/03/2025 – Ambiente


Além do espetáculo visual de suas cores e formatos, os recifes de corais são essenciais para o equilíbrio da biodiversidade marinha e para o sustento de muitas comunidades, que dependem deles para alimentação, pesca, desenvolvimento do turismo e até proteção contra a erosão nas praias.

Sensíveis à elevação da temperatura das águas, esses ecossistemas vêm sofrendo com os sucessivos recordes de calor no planeta. Modelagens climáticas projetam danos significativos para os recifes caso o mundo siga na atual trajetória para 3°C de aquecimento até 2100.

“Isso reforça ainda mais a necessidade de reduzirmos nossas emissões [de gases de efeito estufa]”, destaca o pesquisador Peter Mumby, uma das principais referências no estudo e na conservação dos corais, com mais de 400 artigos científicos publicados.

O professor da Universidade de Queensland, na Austrália, esteve no Brasil recentemente para participar de uma iniciativa do Instituto Serrapilheira que oferece treinamento a jovens pesquisadores na área de ecologia, com foco interdisciplinar.

Com uma pesquisa que combina estudos de campo, trabalho em laboratório e modelagens climáticas avançadas, Mumby e sua equipe se dedicam amplamente ao estudo da resiliência dos corais e ao desenvolvimento de projetos para protegidos.

Em entrevista à Folha, ele falou sobre os principais temas relacionados aos recifes, incluindo a crescente ameaça do branqueamento dos corais: um fenômeno que, no ano passado, atingiu com força o Brasil.

O que o branqueamento de corais nos diz sobre a saúde dos oceanos?

Eles são um dos primeiros organismos a reagir negativamente quando a temperatura da água fica anormalmente alta. Uma das reações ao estresse é que eles ficam de uma cor branca brilhante, e é por isso que chamamos esse fenômeno de branqueamento.

Os corais mantêm uma relação simbiótica com minúsculas plantas que vivem dentro de seus corpos. Essas plantas utilizam a energia do sol para produzir açúcar, que permite que o coral construa um esqueleto calcário de carbonato de cálcio para sua proteção.

Quando os corais sofrem com temperaturas anormalmente altas, eles ficam brancos porque perdem essas plantas que vivem dentro deles. Quando elas morrem devido ao calor extremo, o coral fica apenas com seu esqueleto calcário exposto. Se os corais permanecerem branqueados por vários meses, eles podem morrer. Alguns são mais tolerantes, mas outros morrem rapidamente.

O Brasil esteve relativamente protegido contra eventos de branqueamento de corais até 2019. O que mudou para que esses eventos passassem a ocorrer no Brasil também?

As mudanças climáticas estão se intensificando tão rapidamente que agora praticamente todas as regiões estão sentindo os impactos. Então, acho que o que mudou para o Brasil é que o oceano continuou a aquecer, e agora o país também está vulnerável. Não está mais protegido desse fenômeno.

O senhor tem estudado como as mudanças na atividade humana afetam a saúde dos recifes. Quais intervenções humanas são mais urgentes para protegê-los?

Para mim, há duas grandes questões que causam problemas significativos para os recifes —e ambas são muito relevantes para o Brasil.

A primeira tem a ver com o desenvolvimento costeiro. Quando há construções muito próximas à costa, muita sedimentação acaba despejada no oceano. Esses sedimentos se acumulam nas pequenas algas marinhas que vivem na superfície dos recifes, criando um ambiente onde os corais jovens não conseguem sobreviver.

A segunda questão é a pesca. Os recifes no Atlântico são particularmente vulneráveis ao crescimento descontrol ado de algas, que crescem aqui de forma agressiva mesmo sem fertilização. Isso é bem diferente do que acontece no Pacífico ou no Índico.

Por isso, o papel dos herbívoros, como os peixes-papagaio e alguns ouriços-do-mar, é fundamental. O problema é que a pesca excessiva desses animais agrava a situação.

Vários países do Caribe já proibiram totalmente a pesca do peixe-papagaio. No curto prazo, isso tem um impacto negativo na pesca, mas muitos países decidiram que essa é uma medida necessária para proteger o ecossistema.

Espécies de alto valor comercial, como lagostas, garoupas e pargos, precisam de um recife saudável para sobreviver. Então, há um equilíbrio a ser considerado: se quisermos manter a pesca a longo prazo, precisamos garantir que os recifes continuem existindo. Acho que essa seria uma medida muito útil a ser implementada.

Os recifes são muito bonitos, mas qual a consequência prática de perdê-los?

A primeira consequência seria a redução da disponibilidade de alimentos —especialmente peixes— e o impacto sobre os meios de subsistência das comunidades pesqueiras. Se os recifes forem danificados, a quantidade de alimento que podem fornecer será reduzida pela metade.

Além disso, em algumas regiões, os corais fornecem uma barreira natural de proteção costeira contra tempestades. Eles também ajudam a reduzir a força das ondas regulares, contribuindo para mantê-las pequenas o suficiente para evitar a erosão da areia. Se os recifes desaparecerem, as praias podem ser rapidamente degradadas.

Outro ponto importante é o turismo, já que muitas pessoas viajam para visitar os recifes. Portanto, há muitos benefícios em manter esses ecossistemas saudáveis —não apenas para a biodiversidade, mas também para as comunidades que dependem deles para alimentação, proteção e turismo.

Seus modelos ecológicos simulam os efeitos das mudanças climáticas em toda a Grande Barreira de Corais, na Austrália. Quais são as previsões mais preocupantes para as próximas décadas?

Os modelos preveem que, sob a atual trajetória de emissões que estamos seguindo —que levaria a um aumento de aproximadamente 3°C até o fim do século—, haverá um estresse muito intenso sobre os recifes por volta da metade do século.

Eles preveem que os recifes se tornarão altamente degradados. Isso não significa que todos os corais desaparecerão. Ainda haverá alguns, mas a diversidade e a beleza diminuirão drasticamente. Além disso, os recifes terão menos capacidade de sustentar a pesca, prejudicando comunidades que dependem deles.

Se conseguíssemos reduzir as emissões e voltar ao cenário climático do Acordo de Paris, limitando o aquecimento a 2°C, os modelos preveem que os recifes poderiam se manter razoavelmente saudáveis até o fim do século.

Os corais conseguem se recuperar até certo ponto, mas não na mesma velocidade do aquecimento atual. O que podemos fazer para apoiar essa adaptação?

A primeira coisa que devemos fazer é manter o melhor ambiente possível para os corais. Isso significa reduzir a poluição e, especialmente em um país como o Brasil, onde há baixa biodiversidade nos recifes, é essencial proteger o ecossistema ao redor dos corais.

Os corais não se desenvolvem bem quando precisam competir com algas marinhas. Então, proteger espécies que se alimentam dessas algas, como os peixes-papagaio, é uma medida prática que ajuda os corais a se recuperarem mais rapidamente.

Como funciona a restauração ativa de corais?

Esta é uma abordagem que tem ganhado espaço. Algumas áreas podem ser tão danificadas que não conseguem se recuperar sozinhas em um tempo razoável. Se identificarmos essas áreas, podemos usar diferentes métodos de restauração.

Por exemplo, algumas equipes coletam fragmentos de corais danificados e os fixam novamente nos recifes usando suportes ou arames. Em outros casos, instalam estruturas artificiais que ajudam os corais a se fixarem e crescerem. Além disso, há projetos onde corais são cultivados em viveiros terrestres e depois reintroduzidos nos recifes.


Raio-X

Peter Mumby

Nascido em Chichester, na Inglaterra, é doutor pela Universidade de Sheffield e tem pós-doutorado pela Universidade de Newcastle, ambas no Reino Unido. Em 2010, para estar mais perto dos corais, mudou-se para a Austrália, onde dá aulas na Universidade de Queensland. Já recebeu diversas premiações por suas pesquisas, incluindo a Pew Fellowship em Conservação Marinha.



Source link

Adicionar aos favoritos o Link permanente.