Amazônia desponta como nova fronteira global do petróleo – 01/04/2025 – Ambiente


A Amazônia concentra grande parte das descobertas recentes de petróleo e gás natural do mundo, consolidando-se como uma nova fronteira global para a indústria fóssil.

Quase um quinto das reservas mundiais encontradas de 2022 a 2024 está na região, principalmente na costa do extremo norte da América do Sul, entre Guiana e Suriname. Essa riqueza tem atraído crescente interesse internacional, tanto de empresas da cadeia petrolífera quanto de países vizinhos como o Brasil, que busca explorar sua própria margem.

No total, a região amazônica acumula em torno de 5,3 bilhões de barris de óleo equivalente (BOE) dos cerca de 25 bilhões descobertos globalmente no período, segundo análise realizada por InfoAmazonia a partir de informações do Monitor de Energia Global, que coleta dados sobre infraestrutura energética.

“A Amazônia e os blocos offshore adjacentes representam uma grande parcela das recentes descobertas de petróleo e gás no mundo”, afirmou Gregor Clark, coordenador do Portal Energético para a América Latina, plataforma ligada ao Monitor de Energia Global.

Para ele, esse avanço, porém, “é incompatível com as metas internacionais de redução de emissões e traz consequências ambientais e sociais significativas, tanto em escala global quanto local”.

Além das reservas já identificadas, a Amazônia concentra uma grande proporção de áreas subexploradas na América do Sul. A região abriga 794 blocos de petróleo e gás —áreas oficialmente delimitadas para a exploração, sem a garantia da existência de recursos. Quase 70% desses blocos na Amazônia estão em fase de estudo ou disponíveis para oferta ao mercado, ou seja, ainda improdutivos.

Em contraste, 60% dos cerca de 2.250 blocos sul-americanos fora do bioma já estão concedidos –liberados para a busca de reservas e a extração de recursos–, consolidando a Amazônia como um caminho promissor de expansão da indústria. Isso é o que revela análise a partir de dados dos países amazônicos compilados até julho de 2024 pelo Instituto Internacional Arayara, que monitora atividades petrolíferas na região.

De todo o território amazônico, apenas não existem blocos petrolíferos na Guiana Francesa, onde os contratos são proibidos por lei desde 2017.

A nova onda exploratória que se desenha coloca em risco um bioma essencial para o equilíbrio climático global e as populações que nele vivem, justamente quando o mundo intensifica os debates sobre a redução da dependência de combustíveis fósseis.

Na Amazônia, 81 blocos concedidos se sobrepõem a 441 terras ancestrais, e outros 38 blocos liberados afetam 61 unidades de conservação. Além disso, entre os blocos em fase de estudo ou oferta, 114 estão situados em terras indígenas e 58 em áreas naturais protegidas, segundo a análise.

Esse movimento expansionista –que mantém o modelo extrativista predominante desde a colonização europeia das Américas– se vale de acordos desfavoráveis às populações locais, provoca conflitos internos em comunidades impactadas e atrai grupos armados a áreas ricas em recursos naturais que carecem de serviços e presença estatal.

Costa amazônica

A Guiana, pequena e até então discreta nação sul-americana, tornou-se o epicentro das recentes descobertas globais de petróleo, emergindo como a “nova Dubai” do óleo –expressão usada principalmente pelos estrangeiros de empresas recém-estabelecidas no país.

O petróleo levou sua população a testemunhar um boom econômico, mas também a enfrentar desafios como a alta da inflação e o agravamento da desigualdade social. Ao mesmo tempo, as operações da cadeia petrolífera ameaçam os impressionantes 90% de território guianense ainda cobertos pela Amazônia.

Além da Guiana, as recentes e também volumosas descobertas no vizinho Suriname reacenderam o interesse pela margem equatorial, faixa costeira de milhares de quilômetros próxima à linha do Equador, predominantemente tomada pelo bioma amazônico.

Na região, a Venezuela renovou seu interesse em anexar Essequibo, território guianense disputado pelos impérios espanhol e britânico no século 19, que voltou a ser foco de tensões devido ao seu potencial petrolífero.

Já o Brasil, que abriga a maior extensão dessa área estratégica, enfrenta empecilhos para explorá-la. Isso inclui um histórico de perfurações malsucedidas desde a década de 1970 e, mais recentemente, repetidas negativas à estatal Petrobras para conduzir pesquisas no bloco 59. Ele está localizado na Foz do Amazonas, trecho do bioma amazônico onde o rio Amazonas deságua no oceano Atlântico.

Em maio de 2023, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) negou o pedido da Petrobras de explorar o bloco.

O parecer do órgão, assinado por 26 analistas e reiterado em fevereiro de 2025, apontou falhas nos planos de emergência da estatal, o que traria riscos a ecossistemas amazônicos sensíveis. Essa região abriga a maior área contínua de manguezais do mundo e um grande sistema de recifes, recentemente descrito, que guarda grande potencial científico e ecológico.

A margem equatorial brasileira já está completamente delimitada por blocos petrolíferos, embora a maioria ainda não tenha sido concedida, mostra a análise. Além disso, mais de 92% dos blocos offshore (em alto-mar) da Amazônia ainda estão em fase de estudo ou disponíveis para oferta ao mercado.

Se a exploração petrolífera dá seus primeiros passos na margem equatorial, países como Equador, Peru e Colômbia já somam décadas de extração na Amazônia. Enquanto ajudou a impulsionar suas economias, a atividade também aprofundou os danos ao bioma.

No Equador, o petróleo responde por mais de 7% do PIB nacional, mas sua exploração teve uma média de dois vazamentos de óleo por semana nos últimos anos no país. Entre 1º de janeiro de 2020 e 30 de abril de 2022, foram registrados 630 vazamentos, sendo 97% deles provocados por estatais do país.

Das 15 nacionalidades indígenas do Equador, 11 estão localizadas na Amazônia, onde seus territórios também conflitam com a exploração petrolífera. Blocos concedidos no país afetam 207 territórios indígenas, novamente o maior entre os países analisados, com uma sobreposição de quase 21.000 km² na Amazônia.

O Peru ocupa a segunda posição do ranking, com quase 14.000 km² de área de blocos petrolíferos sobrepostos a 143 terras indígenas. Essa realidade afeta principalmente as etnias Kichwa, Waorani e Achuar, que habitam ambos os países.

Ao contrário do Brasil, atividades petrolíferas em territórios indígenas são permitidas no Equador e Peru, desde que realizada uma consulta prévia às comunidades afetadas. Mas na prática, esse processo muitas vezes ocorre atropelando as legislações ou sequer é realizado.

Segundo a análise, 79 terras indígenas e 30 unidades de conservação estão sobrepostas por blocos petrolíferos concedidos na Amazônia colombiana, somando cerca de 2.600 km² de sobreposição com áreas protegidas.

Colaboraram Fábio Bispo, Isabela Ponce, Emilia Paz y Miño, Pilar Puentes e Aramís Castro

Esta reportagem, publicada originalmente em InfoAmazonia, faz parte do especial Até a Última Gota, produzido com o apoio da Global Commons Alliance, um projeto patrocinado pela Rockefeller Philanthropy Advisors. O projeto envolve ainda os veículos jornalísticos GK, Ojo Público e Rutas del Conflicto.



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