Adonis, Consultor de R. I.

Existem guerras mundo afora que tanto os países envolvidos quanto os organismos internacionais não conseguem resolver. Parece que isso interessa aos fabricantes de bombas, para renovar estoques, e aos empreiteiros, para obter contratos de reconstrução. Mas e os mortos, os feridos, os desabrigados? Bem, isso é assunto para estatísticos, sociólogos, imprensa e historiadores. Outro departamento.

Adonis Tufik Rosenberg nasceu na Turquia, mãe palestina, pai judeu. O prenome grego significa Senhor do Mundo. Cresceu em 3 continentes, é poliglota, conhece diversas culturas, mas nunca foi flexível. Por isso, fracassou como contorcionista. Doutorou-se em R. I, mas não foi nada fácil, pois membros da banca disseram que ele é ruim de diplomacia e quer agradar árabes e judeus! 

O Papa, líderes de vários países, organismos multilaterais, ONGs e a mídia tanto pressionaram que uma reunião de cúpula foi agendada para negociar o fim dos conflitos. Por razões de segurança, o local do encontro foi mantido em sigilo.

Esta é a primeira visita de Adonis a Roma, onde fará sua estreia num evento internacional de grande importância. Quer porque quer sair-se bem e provar que é competente. Analisou os envolvidos, avaliou cenários, bolou estratégias, mas ao pousar, sentiu borboletas no estômago. É uma missão muito importante e, para complicar, sua bagagem se extraviou.

Os voos, em aviões militares e de carreira, foram ajustados para que os participantes da cúpula chegassem quase ao mesmo tempo, facilitando a segurança e a rapidez no traslado. Mas faltava localizar um membro.

No Balcão de Extravio de Bagagem, Adonis se identificou como Consultor de R.I. O coronel Mateo ouviu a conversa, intercedeu e o encarregado acatou suas ordens. Tomou nota dos dados do passageiro e prometeu cuidar de tudo. Mateo disse que o evento não pode atrasar e ele mesmo levará o Consultor ao Castel Gandolfo, residência de verão do Papa, local da reunião de cúpula.

O seleto grupo de diplomatas, militares e assessores governamentais foi recebido na sala secreta. A Imprensa ficou de fora. O coronel Mateo chegou a tempo de conduzir o Assessor à sala, sem passar pela burocracia. O cronograma é apertado e a paz mundial depende das decisões dessa cúpula. Qualquer deslise pode desencadear uma guerra global. A reunião finalmente teve início, no horário previsto e à portas fechadas. Para a Equipe de Segurança, missão cumprida. Agora a bola está com as autoridades.

O anfitrião, o Cardeal Decano, saldou todos em nome do Papa, desejou boa reunião e resumiu a situação em poucas palavras: países em conflito mandam à guerra jovens que não se conhecem, para matarem-se uns aos outros, porque seus líderes, que se conhecem, não se entendem. Após as ponderações dos americanos, chineses e britânicos, o Secretário Geral da ONU falou:

  • As massas estão agitadas e a cobertura da imprensa tem sido implacável.
  • Sou especialista em massas – disse Adonis, o Consultor de R. I.
  • Bem, nesse caso, seu parecer é muito bem-vindo.
  • O segredo está no volume e na consistência. Se passar do ponto, tudo pode se perder e os danos serão graves. Não é tão difícil lidar com as massas, mas é preciso atenção aos detalhes. É aí que mora o perigo.
  • O que podemos fazer? Por onde começar? – perguntou o Secretário da OTAN.
  • É preciso atenção às massas. Algumas concessões são toleráveis, outras proibitivas. A essência precisa ser preservada. A cobertura é importante, mas num segundo plano. O segredo, repito, reside no controle da massa.
  • O senhor fala em massas, mas o problema é mais sério. A guerra não é pizzaria e sim um anacronismo sem sentido que precisa ter fim.
  • Pizzaria também é anacronismo: embalagem quadrada, pizza redonda e fatia triangular. Nada faz sentido, mas tudo dá certo ao final.
  • Onde foi que o senhor se doutorou em Relações Internacionais?
  • Nunca estudei Relações Internacionais. Sou Consultor de R. I.: Ristorante Italiano. Vim à Roma para ser jurado no Concurso Internacional de Pizza.

Pânico total. Segurança comprometida. Cabeças vão rolar. Adonis foi levado ao Comando Generale dei Carabinieri e mantido em isolamento. Teve a vida revirada: família, amigos, carreira, redes sociais. A ascendência judaico palestina não passou desapercebida. Resta saber para qual lado ele espiona.

Após dias, não se sabe se por cansaço ou fome, a cúpula terminou bem, graças à ideia de Adonis: mais atenção às massas. Na guerra, a massa (o povo), são as maiores vítimas. Acordo selado, paz alcançada, o Secretário Geral da ONU decretou: Pizza per Tutti. O anfitrião encomendou as redondas e lembrou de mandar uma para Adonis, o inocente detido no Quartel dos Carabineiros sem culpa formalizada. Ele estava no lugar errado, na hora errada, as autoridades não agiam e ele fez o que tinha de ser feito: cuidar das massas. Vida que segue, menos para Adonis Tufik Rosenberg, que aguarda a dura sentença ou, quem sabe, por milagre, a anistia.

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