‘Goiânia ignora as regras básicas da engenharia de tráfego’, afirma especialista

Desde o início de 2025, a cidade de Goiânia passou a intensificar a implantação da chamada “Direita Livre” em diversos cruzamentos. A medida, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) desde a Lei nº 14.071/20, permite que motoristas realizem conversões à direita mesmo com o semáforo fechado, desde que o local esteja sinalizado e a prioridade dos pedestres seja respeitada. Atualmente, já são 55 pontos espalhados pela capital.

A iniciativa tem como principal objetivo melhorar a fluidez do tráfego urbano, medida essa já adotada com sucesso em outros países, como os Estados Unidos. Segundo estudos internacionais, a prática contribui para a redução de atrasos, economia de combustível e até mesmo diminuição da emissão de poluentes.

Contudo, apesar da intenção positiva, a implantação tem causado transtornos e dúvidas entre motoristas e pedestres. A ausência de sinalização adequada foi apontada como um dos principais problemas por especialistas. 

O engenheiro e consultor em mobilidade urbana Marcos Rothen, critica a forma como a mudança foi implementada. Para ele, o problema não é a Direita Livre em si, mas a maneira como ela foi comunicada à população.

“O principal é a falta de uma comunicação sobre a mudança. Goiânia já tinha alguns lugares com a Direita Livre, mas a ampliação para vários pontos ainda surpreende os motoristas”, destaca Rothen.

Ele enfatiza a importância das placas de advertência — aquelas de fundo amarelo, que indicam mudanças ou perigos — como ferramentas indispensáveis em qualquer alteração no trânsito. Segundo ele, essas placas chamam muito mais atenção que as de regulamentação, normalmente brancas, que indicam regras permanentes.

“Quando se implanta qualquer tipo de mudança no trânsito é fundamental que a sinalização seja agressiva para os motoristas e pedestres entenderem as mudanças. […] Só avisar pela mídia é insuficiente. E muitos acidentes já aconteceram por falhas de sinalização”, afirma, sem poupar críticas à condução técnica das alterações viárias na capital.

Além dos motoristas, os pedestres também ficaram à margem das mudanças. O especialista aponta que faltam placas visuais voltadas ao público que circula a pé, alertando sobre a possibilidade de veículos estarem liberados para virar à direita mesmo com o sinal vermelho.

Na outra ponta dessa nova dinâmica urbana, quem dirige diariamente pelas ruas de Goiânia também percebe as consequências da implementação acelerada e, muitas vezes, desorganizada da Direita Livre. O motorista de aplicativo Pedro Vitor relata que, no início, o cenário era caótico.

“No começo estava bagunçado, uma businação que Deus me livre, porque tinha gente que não via que era livre, e tinha uns que prestavam atenção. Deu uma confusão terrível”, lembra.

Segundo ele, muitos motoristas paravam na faixa mesmo quando a conversão à direita estava liberada, por não entenderem a sinalização. Além disso, os pedestres também estavam desavisados. Apesar dos problemas iniciais, Pedro acredita que a medida tem potencial para melhorar a mobilidade, desde que seja corretamente sinalizada e assimilada pela população.

“Agora sim, eu acho que deu uma melhorada no trânsito. Muitas pessoas que queriam virar para a direita não podiam, agora pode, né? Então acredito que melhorou. Desafoga um pouco. […] Se esse motorista não prestar atenção nisso aqui, não viaja”, resume com bom humor.

Por parte do poder público, a justificativa para a expansão dos pontos de Direita Livre está relacionada à busca por soluções modernas e funcionais para o trânsito da capital. O secretário de Engenharia de Trânsito, Tarcísio Abreu, argumenta que a medida segue referências internacionais e visa otimizar a mobilidade urbana.

“A ampliação dos pontos de Direita Livre em Goiânia reflete nosso compromisso em adotar soluções eficazes para melhorar a mobilidade urbana, inspirando-nos em práticas internacionais bem-sucedidas”, pontua o secretário.

Em nota enviada ao jornal O Hoje, a Secretaria de Engenharia de Trânsito (SET) esclareceu que a implantação da Direita Livre segue rigorosamente as normas de sinalização viária. Ainda segundo o órgão, todos os pontos onde a conversão foi implantada contam com placas específicas que indicam a liberação da virada à direita, mesmo com o semáforo fechado.

A secretaria reforça ainda que a sinalização está sendo implantada gradativamente e orienta que os condutores estejam atentos às indicações, lembrando que a prioridade continua sendo do pedestre. No caso das travessias, cabe ao pedestre sinalizar sua intenção de cruzar a via, para tornar sua presença visível aos motoristas.

Embora a medida traga benefícios claros à mobilidade urbana, sua eficácia depende diretamente da comunicação eficiente com a população. Para Marcos, Goiânia precisa deixar de ignorar as regras básicas da engenharia de tráfego.

“Há muito tempo que Goiânia ignora as regras básicas da engenharia de tráfego. As placas informando da existência deveriam ter sido colocadas antes do cruzamento para que os motoristas saibam da direita livre antes de chegarem na esquina, inclusive os que não vão virar a direita também saberiam que devem deixar a faixa da direita para os que vão virar”, afirma

“Também seria importante colocar uma placa amarela de advertência, informando aos motoristas que houve uma mudança no trânsito. Ao perceber a placa amarela o motorista percebe que tem algo novo”, finaliza.

Enquanto isso, motoristas como Pedro Vitor esperam que as próximas ações venham mais bem planejadas, pois, como ele próprio afirma, “em Goiânia, todo prefeito pode fazer o que quiser, mas esse trânsito daqui é tenso”.

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