Um pinguinho do sol

Ah! Sim, era uma vez uma casa velha no sítio do Pica-pau Amarelo.

Não, errei, era no sítio Pau Amarelo. Pau amarelo ou pau-d’arco ou ipê é uma árvore de uma certa altura, linda e encantada, com flores de cores variadas: vermelhas, brancas, rochas e amarelas. A cor amarela é a que leva o nome do sítio Pau Amarelo de propriedade do meu pai, Expedito Aristides, fica no lugar chamado Santa Fé, bem distante do centro da cidade de Crato, onde aconteceu a história que vou contar, crianças.

A casa velha, feita de barro da própria terra do sítio onde morou meu pai há muitos anos. As telhas grandes e grossas já gastadas pelo tempo. Era uma casa no meio do sertão seco, longe de muitas outras que havia pelos caminhos por onde passavam animais de cargas pesadas, muares: burros, jumentos e cavalos montados pelos vaqueiros ou alguns fazendeiros ricos. Meu pai não era rico, mas era um fazendeiro de poucas terras, tinha um gadinho, algumas ovelhas, dois cavalos e uma mula, chamada Mimosa, bem mansinha, que até eu menino montava nela.

E no sítio Pau Amarelo, tinha um pequeno açude ou barreiro, onde havia peixes, tartaruguinhas ou cágados, rã, sapo-boi. Nas encostas do açude, durante a noite havia o coaxar dos sapos, o cantar das corujas, o voar dos pirilampos. E a chegada dos bichos do mato, que viam beber água nas noites escuras: Era os cassacos, veados, raposas e muitos outros.

Bem. Sim. Vamos contar a nossa história. Voltar para a casa velha.

À noite, hora de dormir depois que eu ouvia, junto com meus irmãos pequenos e outros meninos moradores da fazenda, histórias de arrepiar os cabelos, contadas por seu Joaquim e Ademar. Eu, então, pulava na rede, me enrolava todo e caia no sono; dormia sonhando as histórias contadas, que me faziam medo. Logo ao amanhecer do dia, cedinho, eu ainda na rede abria meus olhos e via, olhando para aquelas telhas, havia uma pequena brecha, de onde entrava um pinguinho do Sol, uma réstia pequenininha, que aparecia ao lado de minha rede, e caminhava lentamente pelo chão até subir na parede.

Todo dia no amanhecer, eu ficava olhando, admirando, pensando como é que esse pinguinho do Sol vem de muito longe, lá dos céus iluminando a Terra, e entra na casa por uma pequena abertura. E sempre olhando, eu via o pinguinho do Sol até subir a parede, e minha mãe me chamar pra eu tomar o café. Eu me levantava e corria para a mesa ainda vagando naquele pinguinho, e perguntava a mim mesmo: O que traz aquele pinguinho? Amanhã vou pegar nele assim que eu mim acordar.

Á noite ouvia história mais assombrosas, e dormia tarde. Amanhecia o dia, o pinguinho já estava no meio da parede da casa, então, eu não conseguia pegar aquele pedacinho do Sol, para ver o que tinha lá dentro.

Foi dia, mais outro dia, eu me acordava e olhava para o pinguinho, mais uma vez longe do meu alcance. Até que um dia fui dormir mais cedo e me acordei na hora do pinguinho do Sol estar ao lado da minha rede.

É agora, olhei bem de perto, ainda deitado na rede, vi o pinguinho do Sol ainda parado no chão de barro seco da casa, olhei para a brecha da telha, vi aquele feixe de luz tão fininho e redondinho como uma moeda. Parecia uma lanterninha iluminando a casa durante o dia, já que ainda o quarto um pouco escuro, as janelas estavam fechadas. Tirei meu braço da rede, estiquei a palma da mão aberta, como se eu fosse pedir as bênçãos aos céus, e passei a mão pela réstia, segurando o feixe de luz. Aí enquanto o pinguinho do Sol parado em minha mão, vi tantas coisas maravilhosas ali dentro de um pedacinho daquela bola que aparece durante o dia lá de cima, nas nuvens que a gente ver todo dia.

O que eu tanto via? Via a palma de minha mão ficar vermelha, via o que tinha dentro de minha mão. Via também, pelo feixe de luz linha reta do chão até aquela telha, o pedacinho do Sol. Via que dentro dessa linha reta e inclinada, havia pequeninos seres como se fossem voando pelo espaço. Um mundo de coisas maravilhosas suspensas no ar. O que eram? Perguntava eu. Queria saber mais. A réstia caminhava em minha mão já saindo dela. Não podia saber, crianças.

Minha mãe me chamava pra eu tomar o café.

ICC Instituto Cultural do Cariri –

Autor:

João Bosco de Sousa Rodrigues

O post Um pinguinho do sol apareceu primeiro em Jornal Tribuna.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.