Bruno Goulart
A crescente tensão entre governos e gigantes da tecnologia, como TikTok, Meta (Facebook e Instagram) e Google, revela uma guerra silenciosa pelo controle de dados e influência digital. Em meio ao impasse entre EUA e China sobre a venda do TikTok, especialistas ouvidos pelo HOJE alertam que a falta de regulação eficiente permite que essas empresas acumulem poder capaz de influenciar eleições, manipular opiniões públicas e até desafiar a soberania de nações.
O poder das Big Techs
Felipe Fulquin, especialista em marketing político, afirma ao O HOJE que as grandes plataformas de tecnologia vêm dominando essa guerra há quase uma década. “Elas controlam nossos dados 24 horas por dia”, diz, ressaltando que isso só é possível devido ao vácuo regulatório que as tornam mais poderosas que muitos Estados. Fulquin ainda lembra que governos como os de Donald Trump e Jair Bolsonaro já identificaram o risco da falta de legislação para essas empresas. “Governos de várias localidades do mundo estão tentando encontrar formas de responsabilizar e punir as gestões desses espaços públicos onde diferentes grupos cometem excessos em nome dos seus interesses”, completa.
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Já o cientista político Lehninger Mota considera que o poder das Big Techs está na capacidade de coletar informações detalhadas sobre cada indivíduo. Para ele, desde o Brexit (2016) e até na primeira eleição de Trump, se vê como dados comportamentais foram usados para influenciar eleições. O Facebook, por exemplo, permitiu que estratégias de microtargeting traçassem perfis dos eleitores. Mota ainda destaca que, enquanto os EUA resistiam a regular empresas como Meta e Google, a ascensão do TikTok – de origem chinesa – mudou o jogo. Agora, falam em ‘segurança nacional’, mas o problema sempre existiu. Só virou prioridade quando uma empresa estrangeira passou a dominar o mercado.
A hipocrisia geopolítica
A disputa pelo TikTok é apenas a ponta do iceberg. Enquanto os EUA pressionam a ByteDance a vender seus ativos americanos, a China se recusa a aceitar o acordo, citando leis locais. Para Mota, essa crise evidencia uma disputa maior: “Não é sobre privacidade ou democracia, é sobre quem controla o fluxo de informações globais”. Ele lembra que, em 2018, o escândalo da Cambridge Analytica mostrou como dados do Facebook foram usados para manipular eleitores, mas as punições foram mínimas. Agora, quando uma empresa chinesa faz sucesso, o discurso muda.
Lehninger acrescenta que a resistência à regulação muitas vezes vem de grupos que se beneficiam do caos digital. “A extrema direita captou muito bem essa questão e, em algum momento, usou as redes sociais para espalhar fake news, mas a esquerda também tem responsabilidade”, afirma. A diferença, segundo ele, é que alguns setores tratam qualquer tentativa de regulação como censura e que, assim como TV e rádio são regulados, as plataformas digitais precisam de normas claras.
O caminho para a regulação
Ambos os especialistas veem a regulamentação como inevitável, mas destacam desafios. “Precisamos de leis que responsabilizem indivíduos por calúnia e fake news, sem punir toda a plataforma. Vincular contas a identidades reais, como o CPF, seria um passo”, sugere Mota. Fulquin acrescenta que o Judiciário e o Congresso precisam agir rápido. “Creio que seja uma guerra reversível”, completa.
Para Mota, o maior risco é achar que essa guerra está distante do cidadão comum. Quem controla esses dados define narrativas políticas, tendências de consumo e até movimentos sociais.