Quando se fala dos ajustes que o governo de Javier Milei vem fazendo nas áreas de educação, saúde, aposentadorias, obras ou administração pública, em geral deixa-se de lado os efeitos do descaso com o ambiente e os recursos naturais.
Imitando a prática do governo de Donald Trump, de quem é aliado incondicional, numa relação nem tanto recíproca, a atual gestão na Presidência da Argentina praticamente abandonou os investimentos na área ambiental, incluindo a revitalização de florestas e a proteção de áreas em risco de extinção devido às mudanças climáticas.
O orçamento nacional geral de 2024 teve uma redução média de 26,3%, com cortes e diminuição de repasses para projetos ambientais que vão de 34% a 81%.
Neste momento, há que se fazer parênteses. A pauta ambiental nunca moveu paixões na Argentina. Fora grupos engajados na proteção de animais, florestas ou glaciares, os imensos espaços desabitados que o país sempre teve, desde tempos pré-coloniais, nunca foram de interesse de grandes organizações.
As exceções são empresas interessadas, por exemplo, na região conhecida como Triângulo do Lítio, e algumas poucas ONGs de proteção da flora e fauna nativas. Algo bem diferente do que ocorre no Brasil.
Na Argentina, é raro ver manifestações ou protestos por mais políticas públicas relacionadas ao ambiente.
No belo livro “Salvatierra”, o autor argentino Pedro Mairal conta como no povoado em que nasceu, no chamado “litoral argentino” —litoral do rio da Prata— havia toda uma vida ativa e harmônica entre diferentes produtores agrícolas, comércios e armazéns.
E 30 anos depois, quando ele escreveu o romance, viu esse mesmo cenário trocado pela intensa e extensa produção de soja. Uma máquina, poucos homens e uma imensidão da leguminosa. Ficaram relegados o que sobrou da região: uma estação de trem às moscas, ruínas de casas e de lojas, numa visão que provoca angústia.
Voltando ao orçamento a ser exercido pelo governo federal neste ano para o ambiente. Num contexto de crise climática, falta investimento em prevenção a grandes incêndios e inundações.
E a primeira tragédia já aconteceu este ano. Foi em Bahia Blanca, em março, com 17 mortos devido a uma enchente. Incêndios na região de Corrientes, próximo à fronteira do Brasil, também causaram destruição em plantações e pastos. Na Cordilheira dos Andes, há cada vez menos água, o que atrapalha toda a produção agrícola da região, que depende do degelo em picos para nutrir o solo depois do verão.
O primeiro ano do governo de Milei já foi tratado do ponto de vista econômico, político, mas ficou para um segundo plano a preocupação com a natureza. Em seu corte de ministérios, a proteção ao ambiente ficou a cargo da pasta de Turismo e Esporte.
Fica claro que se trata de um Estado que pouco se preparou para as ameaças do século: a mudança climática, a crise do ambiente, as secas que já estão desviando o curso dos rios no norte do país, as inundações que ocorrem em grandes centros urbanos.
O aumento da temperatura já provoca incêndios na Patagônia e nas áreas ao redor da região de Buenos Aires, gerando fumaça, cujos efeitos podem ser sentidos em alguns lugares da cidade.
Nos últimos dois verões, uma doença relativamente nova para os argentinos se instalou de vez: a dengue, que não costumava ser comum no clima tradicionalmente mais frio de Buenos Aires. Não houve campanhas públicas para evitar mais casos. Nem para promover a vacinação. Quem quer se proteger, precisa pagar a vacina do próprio bolso, e o preço não é menor do que US$ 50.
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