De tempos em tempos a biotecnologia ganha manchetes bombásticas, como a “desextinção” do chamado lobo terrível (Aenocyon dirus), noticiada recentemente.
Em 1996, a clonagem da ovelha Dolly deflagrou grandes expectativas, até que muita controvérsia e aplicações pouco relevantes, como clonar pets, vacinaram o público contra anúncios de empresas em busca de mercado.
A firma Colossal Biosciences, do Texas (EUA), entreviu uma oportunidade nesse lobo extinto há mais de 10 mil anos —que a série de TV Game of Thrones transformou em celebridade. Divulgou sob estardalhaço ter recriado o animal que tem porte 20% maior do que o lobo como o conhecemos, da espécie cinzenta (Canis lupus), além de pelagem branca e cabeça e cauda portentosas.
Entre dezenas de embriões gestados nos ventres de cadelas, só três filhotes sobreviveram. Dois machos, hoje com seis meses, receberam os nomes de Rômulo e Remo, os gêmeos humanos aleitados pela loba do mito de fundação de Roma. Uma fêmea, ora com dois meses, foi chamada de Khaleesi, uma personagem da série televisiva —em outro lance acintoso de marketing.
Revelados os detalhes da façanha, terrível foi a reação de especialistas. Não há cabimento falar em desextinção. Apenas duas dezenas de genes recuperados de um dente e um crânio de fósseis do Aenocyon dirus foram isolados, modificados e implantados em células de lobos cinzentos, que têm 19 mil sequências funcionais de DNA em seu genoma.
Tudo se reduz à aparência. Trata-se de um lobo cinzento em pele de lobo terrível, que jamais exibirá o comportamento feroz do ancestral do qual divergiu há mais de 2 milhões de anos.
Criados em cativeiro, os filhotes não aprenderão com os pais a caçar mamutes, que, não menos extintos, chegaram a figurar no portfólio da startup Colossal, pois a implantação de embriões em elefantas não seria tão trivial.
Seguir produzindo lobos avantajados é fútil, se não arriscado, do ponto de vista bioético. Mesmo que não sejam introduzidos na natureza, podem escapar e se reproduzir ou cruzar com lobos selvagens, sem que haja como prever se a índole dos híbridos representaria ameaça para lobos comuns, outros animais selvagens, gado ou até humanos.
Ademais, alcunhar o feito de desextinção dissemina mensagem equivocada, a de que não haveria problema em prosseguir com o extermínio de animais ocasionado pela destruição de hábitats, pois a tecnologia poderia recriá-los. Um engodo perigoso.
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