Tarifaço também é questão de gênero – 13/04/2025 – Bianca Santana


As tarifas de importação anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as tais “tarifas recíprocas”, têm dado o que falar, mas há um silêncio sobre o peso desproporcional para as mulheres.

O anúncio da nova política comercial, agora suspensa por 90 dias, com exceção da China, reforça desigualdades de gênero em escala internacional porque penaliza especialmente as mulheres.

Não é de hoje que especialistas nomeiam as “pink tariffs” (tarifas rosas) e escancaram o viés de gênero que estrutura o comércio global. Produtos voltados ao público feminino, incluindo roupas, calçados e itens de cuidado pessoal, são sistematicamente tarifados com alíquotas superiores às dos produtos masculinos equivalentes. Como exemplo, nos Estados Unidos, cuecas são taxadas em 0,9%, e lingeries femininas em 2,1%. Coletes masculinos são tarifados em 8,5%, e os femininos, em 14%.

Somam-se a esses dados, os salários menores recebidos pelas mulheres –em média, US$ 0,83 para cada dólar recebido pelos homens nos EUA– e teremos mais evidências de como as mulheres têm menos poder de compra. A tal neutralidade do mercado, que não beneficiaria nem prejudicaria indivíduos ou grupos específicos, escancara-se como ficção diante dos benefícios de quem dita as regras.

Além das consumidoras nos Estados Unidos, também são diretamente impactadas pelo tarifaço as mulheres do chamado Sul Global, trabalhadoras das indústrias que abastecem o mercado dos EUA.

Mais de 80% da força de trabalho nas fábricas de roupas é composta por mulheres, em empregos precários, com salários baixos e poucos direitos. Quando as tarifas aumentam, o consumo cai, e elas são as primeiras a perder empregos.

As tarifas mais altas anunciadas por Trump recaem justamente sobre os países que exportam mais vestuário feminino. O resultado é uma sobrecarga financeira estimada em US$ 2,77 bilhões por ano para as mulheres dos EUA —e o risco de desemprego para centenas de milhares de trabalhadoras em Bangladesh, no Vietnã e em países da América Latina.

Mas esse efeito dominó está previsto na estrutura legal e regulatória do comércio internacional. O sistema tarifário dos EUA, assim como em todo o mundo, é resultado de negociações feitas majoritariamente por homens, sem considerar os impactos para mulheres. Fenômeno nomeado pela advogada Susan Scadifi, diretora da Fashion Law Institute, de Nova York, como “microagressões financeiras”.

Tarifas não são neutras. Dentre os inúmeros determinantes considerados para estabelecer alíquotas sobre produtos e serviços, o impacto de gênero nas políticas comerciais tem sido ignorado.

Essa é uma escolha política que perpetua e aprofunda desigualdades e não pode ser lida como não intencional ou efeito colateral. Em um mundo no qual as mulheres são maioria entre as pessoas mais pobres e as mais precarizadas, rever fundamentos aparentemente técnicos é necessário para fazer justiça econômica. Não podemos esperar isso de Trump. Mas fica a dica aos que se nomeiam progressistas.


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