Donald Trump pode ter agitado as manchetes com escândalos no seu primeiro mandato, mas poucas decisões tomadas por ele naquele período tiveram efeito tão duradouro quanto a verborragia anti-China.
Os Estados Unidos até ali seguiam uma política de rusgas e desentendimentos pontuais, mas com clara priorização pela diplomacia, tendência que o republicano obliterou ao colar em Pequim a pecha de inimiga e aproveitadora.
Funcionou, e a tendência só se aprofundou sob Biden —seguiram-se embargos, restrições de importação e uma linguagem muito mais afiada de ambos os lados. Isso teve impacto direto na forma como a imprensa americana passou a cobrir assuntos chineses (invariavelmente crítica, embora nem sempre justa) e, ato contínuo, na percepção das pessoas comuns sobre o país asiático.
Pesquisas capturaram bem o movimento. Dentre elas, o Pew Research Center costuma rodar um questionário considerado o padrão-ouro para metrificação de percepções. Em abril de 2017, três meses depois da posse de Trump, 44% dos americanos tinham opinião favorável sobre a China. No fim do mandato dele, eram apenas 26%. Daí para frente, foi só ladeira abaixo.
Surpreendeu, portanto, o resultado do último relatório divulgado nesta semana. Pela primeira vez em cinco anos, a porcentagem de americanos com uma opinião desfavorável sobre a China caiu ligeiramente, de 81% em 2024 para 77% em 2025.
Mais do que isso: em 2024, 42% dos entrevistados viam a China como inimiga; em 2025, são 33%. Uma queda acentuada foi observada entre republicanos que consideravam o país asiático um inimigo: de 59% para 45%.
É um fenômeno curioso porque Pequim está no centro da guerra tarifária. Isso nos leva, então, a especular o que pode causar tal melhora. Para 46% dos americanos, a China se beneficia mais do comércio com os EUA, mas a maioria dos entrevistados é cética quanto aos efeitos das tarifas. Isso sugere uma discordância crescente sobre a eficácia das políticas comerciais, refletindo um descontentamento com a atual estratégia que faz as atenções (e a raiva) se voltarem mais à Casa Branca que aos adversários externos.
Outro ponto é a ruptura causada pelo banimento do TikTok. Escrevi aqui sobre a migração em massa de americanos para o REDNote naquela época. Apesar da pausa concedida por Trump no banimento, restou na sociedade um sentimento de que a classe política cada vez mais recorria à China como espantalho político, acusando-os de práticas largamente utilizadas pelas próprias comunidades de inteligência contra os seus (ou já nos esquecemos de Snowden?).
A abrupta mudança entre os flancos republicanos pode refletir também a influência que o próprio Trump tem entre seus partidários. Embora critique frequentemente os números, o presidente é só elogios a Xi Jinping. Admira seu poder autoritário, chama-o de inteligente e, ainda que pareça desgostoso com o déficit na balança comercial, não demonstra objeções à instalação de fábricas e empresas chinesas em território americano.
Em termos de previsões, podemos esperar que a influência da China continue a crescer, particularmente no comércio e na inovação tecnológica. Isso significa que os EUA terão de ajustar suas estratégias para lidar com uma concorrência mais ampla —só não espere que o cidadão comum não seja capaz de notar tais tendências também.
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