Os povos indígenas continuam, ainda hoje, em uma jornada por garantir a efetividade dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição. Essa luta abrange o direito à cidadania plena, a preservação de suas terras e o reconhecimento de suas culturas, tradições e da conexão profunda que mantêm com o meio ambiente.
A presença cada vez mais significativa de indígenas em espaços historicamente negados a eles, como cargos públicos e instâncias decisórias, carrega um peso simbólico e político fundamental. Essa ocupação representa um passo importante na superação de um passado marcado por violências e exclusões sistemáticas.
Desde o período colonial, com a chegada dos europeus ao território que hoje é o Brasil, os povos indígenas enfrentaram sucessivas tentativas de apagamento: de suas culturas, línguas, formas de viver e até mesmo de sua existência enquanto coletividade. Durante muito tempo, as políticas estatais trataram a identidade indígena como algo passageiro, uma etapa a ser superada rumo à chamada “integração” com a sociedade nacional, considerada mais desenvolvida sob a lógica do progresso econômico.
Nos anos 1960, o cenário era alarmante: os povos indígenas brasileiros estavam ameaçados de desaparecer, em razão do histórico de violências e genocídio. A criação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contribuiu para mudar esse panorama. Apesar de ter enfrentado momentos controversos, a instituição teve papel relevante na reversão desse processo. Atualmente, segundo o Censo de 2022, o Brasil abriga cerca de 1,7 milhão de indígenas, pertencentes a 305 povos diferentes e falantes de 274 línguas.
A demarcação das terras indígenas é uma das garantias mais essenciais para que esses povos possam manter seus modos de vida e acessar direitos básicos. A proteção dos territórios vai além do aspecto jurídico, ela assegura a preservação de conhecimentos ancestrais, línguas, práticas culturais e formas de organização que são patrimônio vivo do país.
O dia 19 de abril representa uma data de mobilização, visibilidade e reivindicação. Criada em 1943 sob o nome de “Dia do Índio”, a data passou por uma atualização em 2022, e passou a ser oficialmente reconhecida como Dia dos Povos Indígenas. A mudança no nome traduz uma nova perspectiva: valoriza a pluralidade cultural, histórica e política dos povos originários e reconhece sua atuação como sujeitos ativos na construção do presente e do futuro.
A adoção do termo “povos indígenas” reflete uma mudança necessária no modo como o Brasil reconhece seus primeiros habitantes. É uma expressão mais precisa e respeitosa, alinhada com marcos internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Além disso, abril é também o mês do Acampamento Terra Livre (ATL), maior encontro de lideranças indígenas no país. Realizado anualmente em Brasília, o ATL reúne milhares de representantes de diferentes povos e regiões para discutir políticas públicas, denunciar violações de direitos e fortalecer alianças. Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o evento é hoje um símbolo de resistência, união e mobilização coletiva.
A data representa a resiliência dos povos indígenas diante de séculos de exclusão e celebra a continuidade de suas culturas, cosmovisões e modos de existência, que seguem vivos e fortes mesmo diante dos desafios impostos pelo mundo contemporâneo.
Resistência indígena
O artesanato representa uma poderosa expressão de identidade, resistência e, cada vez mais, uma estratégia de autonomia e segurança socioeconômica para diversas comunidades. Com raízes em saberes ancestrais profundamente ligados à natureza, o fazer manual indígena atravessa gerações, manifestando-se principalmente por meio da cerâmica, do uso de fibras naturais e da madeira. Atualmente, além de carregar um legado cultural valioso, a atividade artesanal tornou-se a principal fonte de sustento para muitos povos.
Segundo Lucas Lassen, diretor e curador da marca Paiol, que atua em parceria com aproximadamente 50 comunidades indígenas brasileiras, o artesanato é hoje uma das ferramentas mais importantes de proteção e valorização dessas culturas.
“O artesanato está entre as ferramentas mais poderosas na proteção das comunidades indígenas. Além de manter vivas as tradições, ele fortalece a autoestima coletiva, estimula a permanência dos jovens nas aldeias e contribui para a sustentabilidade dos territórios. Por meio do próprio trabalho, essas populações conseguem acessar educação, saúde e investir em melhorias para o dia a dia da aldeia, sem abrir mão de sua identidade. O artesanato tem sido um elo entre o passado e o futuro, e tem lhes ajudado a equilibrar o modo de vida tradicional e as necessidades contemporâneas”, afirma.
Diversos povos indígenas têm se destacado pela riqueza de suas práticas artesanais, produzindo objetos que aliam funcionalidade e expressão estética. No Pará, os Assurini, originários da região do médio Xingu, mantêm viva uma das linguagens visuais mais marcantes entre as etnias brasileiras: seus grafismos. Essas formas geométricas coloridas, presentes em pinturas corporais, cerâmicas e, principalmente, em peças de madeira como bancos, utensílios e esculturas, carregam significados simbólicos e são transmitidas entre as gerações. Cada cor, traço e forma representa uma conexão com o universo cultural da etnia.
Já no extremo noroeste da Amazônia, na região de tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, destaca-se o trabalho refinado do povo Baniwa com a fibra de arumã. Utilizando técnicas de trançado apuradas, eles produzem cestos, balaios e paneiros adornados com grafismos próprios, criados a partir de palhas tingidas. Os desenhos remetem às simbologias utilizadas em seus rituais, reforçando a identidade cultural por meio da arte.
Mais ao norte, entre o Brasil e a Venezuela, os Yanomami habitam uma das maiores áreas contínuas de floresta tropical ainda preservadas. Com uma relação íntima com o território, eles desenvolvem cestarias a partir de cipós e fibras naturais, demonstrando um profundo conhecimento sobre os recursos da floresta.
Essas manifestações artísticas não apenas mantêm tradições vivas, mas também demonstram a força de um povo que continua escrevendo sua própria história.