Relegados ao abandono, idosos encontram esperança em abrigo solidário  

Relegados ao abandono, idosos encontram esperança em abrigo solidário

José dos Santos, aos 73 anos de idade, é um homem que carrega consigo não apenas os anos vividos, mas também uma história de vida marcada por amor, trabalho árduo e a adaptação às mudanças que a vida lhe trouxe. Natural de Ruy Barbosa, na Bahia, José cresceu em meio às brincadeiras de criança e aos ensinamentos dos pais, uma época que ele lembra com carinho.

“Fui criado na mão do papai e da mamãe”, relembra José, com um sorriso que revela a nostalgia de tempos passados. “Brincava muito de bola com os amigos da vizinhança, era uma infância feliz”, conta ele, destacando como essas experiências moldaram sua visão de mundo desde cedo.

A vida de José tomou um rumo diferente quando ele decidiu deixar sua cidade natal e buscar novas oportunidades no Paraná. “Eu sempre gostei de serviço, de trabalhar com as mãos”, diz ele com orgulho. Foi no Paraná que José construiu sua vida adulta, dedicando-se ao trabalho em sua propriedade em Ibaiti, onde cultivava com afinco e dedicação. “Eu gosto de mexer nas plantas, cuidar do que é meu”, enfatiza ele, demonstrando o vínculo profundo com sua terra e suas raízes.

No entanto, o passar dos anos trouxe desafios inesperados. A perda de sua esposa, há mais de 18 anos, deixou um vazio em sua vida. “Minha velhinha, ela era de Itumbiara, em Goiás. Sinto muita saudade dela”, confessa José, com a voz embargada pela lembrança de tempos felizes compartilhados.

Com o avançar da idade e a saúde se tornando mais frágil, José se viu confrontado com a necessidade de cuidados mais intensos, que não encontrou no seio familiar. Aquele que tinha quando criança no colo dos pais. “Minha filha mais velha cuidava de mim. Ela é uma boa filha, mas tem a vida dela, entende? Ela não podia estar sempre lá comigo”, explica ele ao lembrar de quando a filha propôs morar no Abrigo de Idosos Comendador Walmor, no Jardim Riviera, em Aparecida de Goiânia, em Goiás.

A adaptação ao abrigo não foi fácil para José, acostumado à liberdade e ao trabalho constante em sua propriedade. “Eu preferia estar em casa, no meio das minhas plantas”, confessa ele, com um olhar que denota a saudade da vida que um dia teve. No entanto, ele reconhece a importância do cuidado e da atenção que recebe no abrigo. “Minhas filhas vêm me buscar às vezes, passamos uns dias juntos. É bom estar com elas, sentir o calor da família”, diz ele, com gratidão nos olhos.

Apesar das adversidades, José mantém um espírito jovial e uma paixão pela vida que contagia aqueles ao seu redor. “Gosto de conversar, brincar e dançar. Sou danado para dançar!”, revela ele, com um sorriso largo no rosto. Sua energia e disposição são admiráveis, mostrando que a idade não é um obstáculo para aproveitar a vida ao máximo.

Enquanto guarda a esperança de um dia poder voltar à sua propriedade e retomar suas atividades no campo, mesmo que o físico já aguente, José encontra consolo nas lembranças e no amor de sua família. “Quem sabe um dia volto para minha fazenda, para minhas plantas. Enquanto isso, aproveito cada momento que tenho aqui”, conclui ele, com a serenidade de quem sabe que a vida é feita de etapas, cada uma com suas lições e desafios.

“Sou abandonada pela família”

Diferente de José, que tem um lar para voltar de vez em quando, Marli dos Santos, aos 70 anos de idade, encontrou um novo lar no Abrigo de Idosos Comendador Walmor, após ser acolhida pela Assistência Social. 

Natural de Vila Mariana, ela compartilha sua trajetória com um misto de nostalgia e resignação. “Ah, eu vim parar aqui porque o povo da Assistência Social me buscou. Eu estava em outro lugar, mas o tratamento não era o adequado”, relata Marli. “Agora estou aqui e acho muito bom, muito legal.”

Antes de chegar na casa de atenção, Marli morava no Setor Cidade Livre, em Aparecida, onde viveu por muitos anos com o falecido marido e com o único filho, que morreu de forma precoce ao entrar para o mundo do crime. “Morava lá com eles e agora estou aqui. Estou gostando de ficar aqui.” Questionada sobre quanto tempo está no abrigo, Marli responde com simplicidade: “Mais de um mês já.”

Marli também compartilha a solidão familiar que enfrenta. “Tenho irmãs que não ligam para mim, sou abandonada pela família. Mas Deus me olha, só Deus é importante.” Sobre seu falecido esposo, José Ribamar, Marli expressa saudade. “Ele era meu tudo, mas já se foi há muitos anos. Nunca mais quis casar, nem namorar.” Ao final, Marli deixa claro que sua fé é seu sustento. “Deus é importante. Ele nunca me abandona.”

Dados de abandono de idosos

Assim como José e Marli, inúmeros idosos são abandonados por suas famílias no Brasil. No ano passado, o número de denúncias de abandono de idosos teve um crescimento de 855%, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Os dados mostram que entre janeiro e maio de 2023, quase 20.000 casos de abandono foram registrados. Em 2022, no mesmo período, esse número foi de 2.092 casos.

Em Goiás, a Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso (DEAI) recebe diariamente entre 15 a 20 ocorrências de crimes contra idosos, segundo afirma ao jornal O Hoje, o titular Alexandre Bruno. 

Ao falar sobre o abandono de idosos, Bruno destaca que esse tipo de ocorrência também é muito comum na delegacia, e chama atenção para o abandono em hospitais. “É comum o abandono de idosos em hospitais, onde são deixados para tratamento e não são buscados”, lamenta.

Para denunciar, há várias opções: pessoalmente na delegacia, anonimamente pelo telefone 197 (funcionamento 24 horas), ou pelo telefone direto da delegacia (3201-1501). “Garantimos que a vítima ou denunciante não precisa se identificar”, assegura o delegado.

Estatuto do Idoso

A advogada Maria Madalena, presidente da Comissão Especial do Advogado Sênior e dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB-GO, enfatiza a importância do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 de 2003, como um marco na proteção e promoção dos direitos das pessoas com 60 anos ou mais no Brasil. O estatuto visa assegurar direitos fundamentais, promover o bem-estar e garantir a dignidade dos idosos, sendo um instrumento essencial para a inclusão e proteção dessa parcela da população.

Entre os principais objetivos do Estatuto do Idoso estão a efetivação dos direitos fundamentais, a promoção da autonomia e integração social dos idosos, além da proteção contra qualquer forma de violência e abuso. Assegura-se aos idosos direitos como saúde, alimentação, educação, cultura, lazer, trabalho, dignidade e convivência familiar e comunitária.

Contudo, a advogada destaca que os desafios persistem na implementação efetiva do Estatuto do Idoso. A falta de conhecimento sobre os direitos garantidos, a insuficiência de recursos para fiscalização adequada e as barreiras de acesso aos serviços públicos são alguns dos obstáculos enfrentados, o que faz de áreas como a divulgação ampla dos direitos dos idosos, políticas de saúde mais específicas para essa faixa etária e melhoria na infraestrutura de atendimento, necessidades urgentes. (Especial para O Hoje)

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