Usineiros destroem casas e vidas de centenas de camponeses em Alagoas

Ésio Melo | Maceió (AL)


BRASIL –

Centenas de camponeses foram expulsos de suas terras e tiveram suas casas demolidas em Messias, Alagoas, após uma ação movida pela Usina Utinga Leão, para reintegrar a posse de uma área de aproximadamente 200 hectares ocupada por trabalhadores rurais há cerca de 20 anos.

A reintegração de posse e as primeiras demolições ocorreram no dia 22 de outubro, colocando ao chão 330 casas. Outras áreas também estão sob ameaça, totalizando cerca de 700 famílias.

O jornal A Verdade e a Unidade Popular (UP) estiveram presentes, no dia 02 de novembro, em um ato em apoio aos camponeses, realizado na Escola Municipal onde famílias desalojadas se encontram.

A atividade contou com a presença do desembargador Tutmés Airan e dos movimentos rurais com atuação na região: Frente Nacional de Libertação (FNL), Movimento Popular de Luta (MPL), Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e Movimento Social Via do Trabalho.

Presente na atividade, o desembargador que coordena o núcleo de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça, afirmou que “a decisão não trouxe justiça, porque, na prática, foi uma desapropriação, que fez com que o rico ficasse mais rico e transformou o pobre em miserável. Quem tem já tem muita propriedade, ficou com mais propriedade ainda. Quem não tinha nada, ficou com nada”, afirmou Tutmés.

Durante o despejo, o companheiro Inácio faleceu ao cair do caminhão de mudança que transportava seus pertences.

Relatos

A presidenta da associação dos moradores e agricultores da fazenda Lajedo, Dona Bina, perdeu sua casa, seus animais, sua renda e o convívio com os filhos e os netos – que foram morar em Pernambuco na casa de parentes.  

“Tinha três netos que nasceram e se criaram aqui nesse pedacinho de terra. Moro aqui desde 2009. Vi meus netos nascerem e se criarem. É uma história de vida que a gente tem aqui nessa área e foi derrotada pelo latifundiário – que não tem coração e nem dó de ninguém. Pobre para eles é para morrem à mingua, mas nós vamos lutar para retomar esse lugar”, afirmou Dona Bina.

Ela morava com seu marido, e sua casa era um espaço sagrado de matriz africana. Nos escombros onde residiu nos últimos 15 anos, vê-se a imagem de uma santa quebrada e muita dor. Ao mostrar seu lote e de seus filhos, que moravam vizinhos, descreveu que tinham dois açudes, onde crivava 500 tilápias e 200 tambaquis, criavam porcos, cabras, bodes e até duas vaquinhas. “Hoje, só escombros”.

“Tudo derrubado, nossa família toda na rua e hoje a gente está num colégio passando privações. Nós tínhamos a liberdade de criar nossos filhos e hoje estamos nessa situação. A gente quer viver para lutar e levar o que comer para a cidade”, acrescentou.

Em outro lote, cheio de mangas, abacates, laranjas, bananas, açaí, jacas, cocos, entre tantas frutas, encontramos um casal de idosos. “Fomos os primeiros a descer aqui e a construir uma casinha. Então começamos a plantar. Hoje nosso lote tá cheio de fruteira, tudo frutificando. Foi quando veio o desmantelo e fomos obrigados a sair e deixar tudo isso para trás”, disse Dona Cícera, aos prantos.

Na área urbana, próxima ao cemitério da cidade, no Conjunto Ana Raquel, também houve demolições. “O pessoal da Usina aproveitou a situação do ‘desapropriamento’ das famílias lá embaixo e derrubou nossas casas também. Antigamente, aqui era o lixão da prefeitura, e a gente tirou o lixo e construímos casas para morar. Nunca ninguém chegou com ordem de despejo, mas nos deram quatro horas para tirar as coisas de dentro ou passavam o trator por cima. A gente tirou o que pôde, e o que não pôde, o trator passou por cima. Eu tinha uma oficina no valor de R$ 120 mil dentro. Trabalhei 35 anos para conquistar minha oficina e hoje me encontro sem ela, sem uma renda e sem uma casa por conta desses empresários que não têm coração”, afirmou um mecânico que não quis se identificar.

Também houve vários relatos da truculência da polícia no dia da desocupação.  “Vivíamos aqui com a esperança de viver a vida inteira. Aí chega um mandato na porta, de repente, de uma hora pra outra, dizendo ‘sai, sai’. E eu disse ‘espera aí, minha gente, deixa eu tirar pelo menos os cacos que tenho dentro de casa’. Mas o policial disse ‘você quer que a gente derrube a casa com você dentro?’”, relatou o morador Ezequiel Lima.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.