Justiça Federal determina desocupação de prédio da Seduc

Há mais de uma semana indígenas de uma dezena de etnias ocupam o prédio da Secretaria de Educação do Pará. Eles também têm feito bloqueios em rodovias importantes do estado para pressionar o governo estadual a revogar uma lei, que entre outros pontos, libera aulas a distância para indígenas, quilombolas e comunidades do campo.Nesta quarta-feira (22), a juíza federal Lucyana Said Daibes Pereira aceitou o pedido de reintegração de posse feito pelo governo do Pará e determinou que os indígenas desocupem o prédio em até 12 horas, sob pena de multa de R$ 2.000 por hora de descumprimento.CONTEÚDO RELACIONADOEducação indígena no Pará: grupo vai elaborar nova propostaUepa divulga resultado preliminar das inscrições do ProselCenário positivo: contratação de jovens cresce no ParáO texto aprovado em regime de urgência no fim do ano passado também é questionado pelo MPF (Ministério Público Federal) e pelo MP-PA (Ministério Público do Pará), que entendem que o novo modelo viola as leis e princípios constitucionais que protegem os direitos dos povos indígenas.Quer mais notícias? Acesse o canal do DOL no WhatsApp.A Folha apurou ainda que o MEC (Ministério da Educação) também entende que não há amparo legal no país para a oferta de educação escolar indígena, quilombolas, campo, ribeirinhos e comunidades tradicionais a distância.SECRETÁRIO NEGA ENSINO A DISTÂNCIAA Secretaria da Educação do Pará, comandada por Rossieli Soares, ex-ministro e ex-secretário de Educação de São Paulo, nega que a lei vá resultar na substituição do ensino presencial pela modalidade a distância. A pasta defende que o modelo vai ofertar “educação regular presencial mediada por tecnologia” para estudantes que vivem em regiões remotas.A lei não esclarece como será o uso desse novo modelo, mas despertou a preocupação dos líderes indígenas e professores por extinguir o texto que regulamenta o Some (Sistema de Ensino Modular) e o Somei (Sistema de Ensino Modular Indígena).Esses programas existem há mais de 40 anos no Pará e garantem o acesso à educação a milhares de estudantes que vivem em regiões onde o estado não garante uma escola próxima.O sistema funciona com aulas presenciais modulares, em que um grupo de professores viaja para esses locais e dá aula em locais cedidos pelas prefeituras ou espaços abertos das comunidades por algumas semanas. Depois eles seguem para outra localidade.”Os professores se deslocam de uma região para outra e vão dando aula para os alunos que não têm acesso à escola. As aulas acontecem em escolas municipais, em igrejas e até mesmo em praças. Não é o ideal, mas permitiu que muitas crianças tivessem acesso à educação e de forma presencial, com professores que entendem seu contexto de vida”, explica Felipe Garcia Passos, professor do Instituto Federal do Pará.O governo paraense não informou quantos estudantes são atendidos pelo Some, mas um levantamento da AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros), seção Belém, mostra que 65% dos 144 municípios do Pará não contam com escolas de ensino médio do campo ou em áreas rurais —ou seja, em 93 cidades há potencial para a necessidade de atender adolescentes que vivem em locais distantes.Para chegar até esses estudantes, o governo do Pará instituiu em 2024 um modelo em que as aulas serão gravadas e transmitidas em televisores para os alunos dessas áreas remotas. A secretaria diz não se tratar de ensino a distância, porque haverá um professor mediador presencialmente nesses locais.”Como que o aluno vai aprender com uma aula gravada pela televisão? O Pará tem mais de 50 povos indígenas, muitos desses estudantes nem falam a língua portuguesa. Essa medida vai entregar uma educação de má qualidade e que ainda desvaloriza a diversidade cultural indígena”, diz Alessandra Munduruku, uma das lideranças da mobilização.As manifestações tem sido organizadas por indígenas das etnias munduruku, tembé, xikrim, borari, arapium, kumaruara, sateré mawe, maytapu, tapuia e tupinambá.Ainda no fim do ano passado, o MPF havia recomendado que o governo Barbalho suspendesse a implantação do “ensino mediado por tecnologia” nas comunidades indígenas. Agora, com os protestos dos indígenas, o órgão pediu ao MEC que apresentasse qual é o posicionamento da União sobre o modelo.A Folha apurou que o MEC analisou que a medida fere uma série de normativas nacionais. Em uma nota técnica, o ministério avaliou que os fundamentos constitucionais e legais da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) não sustentam a oferta de educação a distância, seja com o modelo de “aulas telepresenciais” ou “sistemas interativos”, para comunidades rurais.SEDUC FORMOU COMISSÃO PARA DISCUTIR TEMAEm nota, a Secretaria de Educação do Pará afirmou que, após as manifestações, formou uma comissão para discutir e construiu a Política Estadual de Educação Escolas Indígena, que será composta por membros do governo estadual e por lideranças de 34 povos das oito etnorregionais do Pará.A comissão deverá apresentar em até 15 dias úteis uma minuta do projeto de lei que cria a política para ser enviada para aprovação na Alepa (Assembleia Legislativa do Pará).A secretaria disse ainda que não é verdade que o atendimento do Some será encerrado nem que será substituído pelo Centro de Mídias da Educação Paraense. Questionada, a pasta, no entanto, não informou como serão as aulas do novo modelo ou o motivo pelo qual revogou a lei que regulamentava as aulas modulares.”A Secretaria de Educação reafirma seu compromisso com a educação presencial nas comunidades indígenas, visando promover a inclusão e garantir que as escolas sejam ambientes de aprendizado, respeito e desenvolvimento humano”, diz a nota.NOTA DA SEDUC SOBRE DECISÃO JUDICIALA Secretaria de Estado de Educação (Seduc) emitiu uma nota ressaltando que a decisão judicial de permitir a retomada parcial do funcionamento administrativo do prédio é essencial para evitar prejuízos ao ano letivo de mais de 500 mil alunos. Confira a íntegra do comunicado:”Decisão é para não impactar no ano letivo dos mais de 500 mil alunosA liminar deferida pela Justiça Federal é um reconhecimento da urgência de retorno dos trabalhos administrativos da Secretaria de Estado de Educação (Seduc). O prédio estava com o funcionamento totalmente interrompido. É importante registrar que a Justiça não determinou que os manifestantes saiam do local, mas apenas que ocupem o refeitório e o auditório e permita o funcionamento das áreas administrativas.O Estado reconhece o direito de manifestação dos indígenas, e o respeita, compreende e continua dialogando.”
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