Bernardo Sayão: ocupação da via próxima ao Rio Guamá

O percurso de quase 6 km que se estende a partir do Arsenal da Marinha até onde hoje se encontra o Campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA) caracteriza um período histórico em que se dá o início do processo de drenagem da área que margeava o Rio Guamá em Belém.Inicialmente chamada de Estrada Nova, a atual avenida Bernardo Sayão ajuda a conhecer não apenas o processo de ocupação daquela área da cidade, mas até mesmo parte das relações estabelecidas pelo Brasil durante a Segunda Guerra Mundial.CONTEÚDOS RELACIONADOSJá sabia? Travessa 14 de Março, em Belém, já foi um igarapéBarco achado no canal da Nova Doca passará por restauroArquitetura religiosa é uma das marcas da Padre PrudêncioDiretamente relacionada ao que se conhece como Bacia da Estrada Nova, a avenida Bernardo Sayão tem sua história ligada a elementos que vêm desde o período colonial. O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, explica que, inicialmente, o que havia era uma ocupação ainda muito incipiente naquela região, o que foi se modificando com o passar do tempo e das transformações promovidas na área.“Existem trabalhos como o do Antônio da Rocha Penteado, que é um trabalho muito importante para a gente entender essa questão geográfica do desenvolvimento urbano de Belém, em que a gente já consegue ver que desde o período Colonial já havia uma ocupação nessa área de forma muito incipiente, porque havia uma adversidade natural muito grande para se estabelecer moradia naquela região, uma vez que era constante o processo de alagamento dessa área”.Nesse sentido, o historiador esclarece que mesmo que aquela região estivesse, do ponto de vista espacial geográfico, próxima do centro da cidade na época, ao longo dos séculos havia informações apenas de algumas choupanas muito isoladas instaladas ali, devido à grande dificuldade de se construir um processo de ocupação mais denso naquela região ainda marcada como uma área muito insalubre, de muito alagamento e de muitas doenças.Quer ler mais notícias do Pará? Acesse o nosso canal no WhatsApp!

Porém, Amilson explica que, a partir de meados do século 20, houve um momento histórico que transformou aquela área que margeava o Rio Guamá de uma área praticamente desabitada, para uma área povoada e que se tornou importantíssima para que os bairros da Condor, Jurunas e Guamá tivessem uma ocupação populacional maior.“No início da Segunda Guerra Mundial o Brasil se manteve neutro, mas, devido a acontecimentos históricos, a partir de 1942 o Brasil entra na Segunda Guerra, Vargas declara guerra sobretudo contra países do Eixo, como Alemanha, Itália e aí se alia aos Estados Unidos, por exemplo”, contextualiza.“É nesse processo que os Estados Unidos vão criar algumas bases em alguns lugares estratégicos devido a autonomia dos aviões ser bastante limitada naquele momento, eles não conseguiam voar longos percursos sem ser reabastecidos. Então, se criava a base onde se montavam e abasteciam aviões e uma dessas bases foi em Belém”.Neste processo, muitos soldados militares americanos vieram para cá e foram acometidos de várias doenças tropicais devido à grande quantidade de insetos e mosquitos que havia em Belém. Doenças como a febre amarela e a malária contaminavam bastante esses militares e um dos motivos percebidos que ocasionava essa contaminação era exatamente a existência dessas áreas que alagavam e que proporcionavam a reprodução de muitos insetos e mosquitos.“Então, resolveu-se fazer uma política de boa vizinhança com os americanos, que resolveram ajudar na construção de um grande dique, uma construção que pudesse conter o alagamento do rio sobre essas áreas que margeiam o Rio Guamá, em Belém”.As obras de construção do dique foram assinadas a partir de 1943 e tiveram início em 1944. O dique foi construído e, dois anos depois, ele foi alargado, o que possibilitou a ocupação de pessoas naquela região que, a partir das décadas de 50 a 80, segundo explica o professor Amilson Pinheiro, vai se caracterizar como uma área de ocupação de uma população muito mais pobre e migrante, vinda sobretudo do interior.

“A luta pela terra, pela ocupação urbana se intensifica durante a Ditadura Militar, nos anos das décadas de 60, 70 e 80, e essa população mais pobre, sem condições de morar e ocupar áreas mais nobres de Belém, vai ocupando essas áreas de baixada, áreas alagadiças de várzeas que estavam margeando o Rio Guamá. E é em torno desse dique que vai surgir o que a gente chama de Estrada Nova”.Naquele momento, a Estrada Nova era caracterizada por condições de ocupação muito precárias, sem condições de saneamento básico, esgoto ou acesso a água encanada. O historiador aponta que essa vai ser uma marca daquela região durante décadas. “Somente a partir de 1996 é que começa um projeto para se tentar mudar, drenar e fazer uma outra estrutura nesta região”.BERNARDO SAYÃOO processo de drenagem, construção do dique e surgimento de uma estrada margeando o Rio Guamá, em Belém, coincidiu com o Governo de Juscelino Kubitschek, a partir da segunda metade da década de 50 do século 20. E uma das figuras que teve uma participação importante para colocar em prática as medidas implantadas por JK foi justamente o homem que, hoje, é homenageado pela atual avenida.“Uma das marcas do governo do Juscelino Kubitschek foi a abertura de rodovias e estradas, caracterizada, sobretudo, pela Belém-Brasília e um dos principais engenheiros que vai atuar nesse processo e que vai ser um braço direito do JK foi o engenheiro Bernardo Sayão, que era conhecido como um abridor de estradas”, explica Amilson Pinheiro.“Ele nasceu no Rio de Janeiro, por volta de 1903, e era conhecido como um criador de povoações, político – ele chegou a ser vice-governador de Goiás – e foi inserido nesse processo durante a construção da Belém-Brasília de forma muito atuante”.Foi durante essa sua atuação profissional que Bernardo Sayão acabou falecendo no ano de 1959, em decorrência de um acidente na divisa do Pará com o Maranhão, próximo de onde hoje está o município de Viseu. “Ele estava em uma barraca, estavam construindo a abertura de estradas, e uma grande árvore desabou em cima da barraca em que ele estava. Ele ainda foi socorrido, com vida, em um helicóptero, mas acabou não resistindo e ficou como um marco dessa abertura de rodovias, estradas, desse processo de ligação do Brasil durante o governo do Juscelino Kubitschek”, aponta o historiador.“Nesse mesmo período estava se tornando mais importante para Belém essa Estrada Nova, que ligava essa várzea que margeava o Rio Guamá. E devido a comoção que foi a morte do Bernardo Sayão, se homenageou essa nova estrada como avenida Bernardo Sayão, nesse processo de urbanização que ela passou a partir desses anos em diante da segunda metade do século XX”.

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