Por que não se acredita mais na mídia?

O jornalismo atualmente enfrenta mais do que apenas uma única crise, e uma delas é a de confiança, a falta, no caso. Simplesmente você ou outras pessoas não crêem mais em veículos, sobretudo os tradicionais, e na mídia como em outrora.

Para piorar, como falei, essa crise da confiança não é isolada. Existe junto a ela também uma crise econômica, porque não se faz mais dinheiro com jornalismo como se fazia, o que, por sua vez, torna difícil manter redações em funcionamento. Também crítica é a ausência da mídia no cotidiano e zeitgeist. Como consequência de tudo isso, a profissão de jornalista/repórter também pena como opção viável para quem busca uma carreira longeva e minimamente rentável.

E pensar que já houve um tempo em que jornais ocupavam prédios inteiros. Mas se você não confia na informação que lê, o propósito do jornalismo se esvai e todo o resto debatido importa menos.

Por que você não acredita mais na mídia?

Uma das crises que o jornalismo enfrenta é a crise de confiança, ou seja, as pessoas de maneira geral não confiam mais na mídia. Olha, eu sou formado em jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina – o melhor curso de jornalismo do Brasil.

E tenho uma coisa para te contar que pode te chocar:

Durante todos os anos em que eu estudei lá, cumprindo todas as disciplinas obrigatórias e fazendo um monte de optativas, em momento algum fui parte de qualquer disciplina chamada “manipulação”.

Não existe nenhuma disciplina secreta ou sequer aula na antessala da formatura em que mostrariam finalmente como nós fazemos o controle de tudo. Muito menos fomos apresentados à Dona Mídia, a senhora que rege o andamento da humanidade, inclusive um determinado espectro político.

Dois polos, dois mundos, uma mídia

O espectro político polarizado, inclusive, tem muito a ver com a falta de confiança no jornalismo e na mídia porque, com opiniões radicais sendo gritadas, é mais difícil querer ouvir o outro lado. E tudo que não está na sua cartilha simplesmente é mentiroso e ruim.

O jornalismo não é imparcial, pois ninguém é assim. Minha visão é antiquada, mas por mais que eu veja isso como um fato, deve ser do profissional da área uma utópica busca pela imparcialidade. Porque, tal qual um cachorro correndo atrás do próprio rabo, a gente não vai alcançar esse tesouro. Mas percorrendo a jornada, talvez chegue perto.

Que os jornais deixem a parcialidade clara para o editorial e seções opinativas.

Mas se a imparcialidade total não existe, ainda se faz jornalismo? Óbvio!

Sempre quando um jornalista vai escrever alguma coisa ou um repórter vai contar uma história, toda a formação humana que tem, a vivência, vai estar ali no texto. E isso é normal e ótimo. Se você pegar uma foto de alguém lendo um livro e pedir para três pessoas diferentes contarem o que está nessa foto, cada versão será diferente. Uma focará em detalhes, outra talvez se apegue mais ao livro em questão, outra talvez descreva a estética da foto… Qual é a verdade? Qual é a manipuladora e malvada?

Mas nada dessa particularidade de autoria pode ser irresponsavelmente colocado no caminho do fato.

E por mais que eu diga que se aplica a formação humana, não pense que a Inteligência Artificial é a salvação para a coisa. Você não precisará muito para ver que a IA tem vieses.

Diploma para quem?

Isso já é um problema bastante conhecido, mas não custa relembrar que a profissão de jornalista não requer que o profissional, ou suposto profissional, tenha ensino superior na área. Isso é muito perigoso para o andamento de uma democracia.

A comparação “você faria uma cirurgia com um médico que nunca estudou medicina?” pode soar exagerada, mas não é. Relatar fatos, servir o interesse público, contar a realidade é um assunto sério. Uma mentira espalhada pode prejudicar a vida de muita gente.

Um exemplo é o clássico caso da Escola Base. Em 1994, proprietários e profissionais dessa foram acusados de abusar de alunos. A mídia cobriu o caso em peso, mesmo não havendo provas. O colégio fechou, as vidas foram escrutinadas e arruinadas. E tudo não passava de uma mentira.

Se até nesse caso em que vários profissionais de jornalismo competentes foram capazes de cometer erros em sequência, o que esperar de quem não tem experiência ou formação? Já estamos experimentando, com boatos sendo confundidos com fatos e a própria noção de verdade se perdendo.

Na primeira eleição de Trump, muito se falou de “pós-verdade”, que seria você corrigir algo que disse, mas sem dizer que mentiu. Como isso se encontra no jornalismo?

Quem se posiciona no jornalismo está herdando credibilidade e responsabilidade de centenas de anos e profissionais que o precederam. As pessoas olham para o modelo e formato jornalístico e se sentem mais inclinadas a acreditar. É um peso que talvez requeira pelo menos uma faculdade.

Eu sei, é démodé defender faculdade num mundo cada vez mais de cursos técnicos e profissionalizantes de 30 horas que garantem uma carreira muito mais brilhante que qualquer faculdade conseguiria. Mas nenhum aprendizado superficial entrega um profissional capaz de produzir, diária e eticamente, relatos fiéis da realidade que impactam a sociedade a se tornar cidadã e a democracia a se fortalecer.

Liberdade de expressão para quem?

Só que nem todo mundo entende dessa forma. Há quem veja a obrigatoriedade de um diploma como uma barreira para a liberdade de expressão, podendo ser algo elitista ou excludente de pessoas distantes de grandes centros, por exemplo.

Muita gente sabida defende que o jornalismo é uma ciência social, mesmo não operando como as ciências tradicionais. No método científico clássico, há sempre uma hipótese a ser testada. O jornalismo até pode ter hipóteses, mas, em muitos casos, quanto menos hipóteses houver, melhor. Isso permite que o jornalista esteja mais aberto ao que está acontecendo, em vez de apenas tentar confirmar uma ideia prévia.

A defesa impensada da liberdade faz com que até mesmo a ciência, em que as coisas deveriam ser mais racionais, também precise abrir espaço para a opinião. Algo como “a ciência diz que X, mas eu acredito que Y”, e daí essas duas coisas têm que ser consideradas da mesma forma.

Piora no caso da ciência social que, por ser menos associada a números e experimentos controlados como outras ciências, é frequentemente considerada menos legítima do que, por exemplo, matemática ou física. Assim, mesmo quando um cientista social apresenta uma pesquisa rigorosa, sua fala ainda pode ser reduzida a uma simples opinião.

E que conste: não é que a opinião pública deva ser silenciada. Pelo contrário, o direito à opinião é essencial para a democracia. No entanto, há uma diferença entre todos terem direito a uma opinião e todas as opiniões terem o mesmo peso. Um exemplo clássico disso no jornalismo é o formato “O Povo Fala”, onde repórteres vão às ruas perguntar o que as pessoas acham sobre determinado tema. Essa abordagem ajuda a compreender percepções populares, mas, muitas vezes, carrega a ideia implícita de que “a voz do povo é a voz de Deus”, como se a opinião coletiva determinasse o que é certo ou errado. Mas será que essa opinião deve ter o mesmo peso que a análise de um especialista? Ou é elitismo da minha parte?

Além disso, é importante questionar a origem das fontes especializadas utilizadas no jornalismo. Se todos os veículos recorrem às mesmas fontes, de uma mesma região, com uma mesma formação acadêmica e um mesmo viés ideológico, isso não realmente reflete um entendimento amplo do assunto. Mas quando um portal do tema é, por exemplo, posse de um banco, o que está publicado é uma narrativa útil para o leitor?

Essa relação entre jornalismo e seus proprietários gera um ciclo de desconfiança. Podemos até confiar no jornalista, mas e no dono do jornal? Até que ponto um veículo pode ser rentável e, ao mesmo tempo, preservar a confiança do público? Talvez, para alguns, não seja interessante ter um jornalismo confiável e imparcial para todos, mas sim um jornalismo que atenda apenas a uma parcela que compartilha de seus interesses. Só que assim, em vez de informar, o jornalismo pode acabar se tornando um instrumento de panfletagem.

Cabelinho na régua

Mesmo que assumíssemos que os donos de jornais jamais interferem no conteúdo publicado, ainda há outra questão: a forma como a informação é apresentada. Pense em um telejornal tradicional: o apresentador está sempre de terno impecável, cabelo alinhado, barba feita; a apresentadora usa roupas neutras, maquiagem equilibrada, sem exageros. O repórter, ao falar sobre uma onda de calor de 40°C na praia, aparece de camisa social e sapato, distante da realidade de quem enfrenta o calor na areia. Essa neutralidade visual, pensada para gerar credibilidade, pode, paradoxalmente, criar um distanciamento do público.

É por isso que tantas pessoas buscam informação em mídias alternativas, como YouTube e TikTok. Não porque rejeitam informação de qualidade, mas porque esses formatos oferecem um tom mais próximo e humano. O TikTok, por exemplo, apresenta conteúdos dentro de um ambiente que as pessoas já frequentam e confiam. A linguagem é mais direta, mais conectada à realidade do público.

O jornalismo tradicional tenta se adaptar a essa nova dinâmica. Muitos veículos passaram a segmentar suas abordagens, criando conteúdos para nichos específicos, em vez de tentar atingir um público massivo. Isso pode gerar conteúdos de altíssima qualidade, mesmo que em veículos menores.

Jornalismo para quem precisa

Talvez a melhor forma de resolver essa questão de confiança do jornalismo seja justamente essa “descentralização”. Porém, claro, aproveitar-se de uma estética/linguagem já mais palatável a uma grande audiência não pode, em momento algum, jamais comprometer o fato, a verdade e o rigor metodológico.

Se as pessoas consomem menos jornalismo hoje, isso também é responsabilidade do jornalismo. Adaptar-se e trabalhar com o que tem não é vergonha ou traição da causa. É o que permitirá que essa “ciência social” de mais de 500 anos ajude a tornar o mundo mais livre e justo por outros 500.

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