Projeto de lei quer transformar vinho em comida – 14/02/2025 – Isabelle Moreira Lima


Faz uns anos, ouvi de um sábio: quer escolher melhor os vinhos que bebe? É só pensar no vinho como comida. A ideia é ver a bebida como um integrante da mesa, não simplesmente algo para ser tomado no balcão do bar. É um acompanhamento da carne, assim como o arroz, o feijão, a salada e os legumes e deve ser ingerido na mesma medida que eles, com mais moderação do que acontece com outras bebidas como cerveja, coquetéis e destilados.

Lembrei disso tudo ao tomar conhecimento de um projeto de lei que deve ser votado neste ano pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Embora esteja em linha com o conselho que recebi, o objetivo do PL 3594/2023, que define o vinho como “alimento natural”, não é guiar nossas escolhas, mas outro: mudar sua tributação e fazer com que o vinho custe menos no país. Há até uma consulta pública em andamento no portal do Senado para avaliar o apoio da população brasileira à proposição.

Se aprovado, o projeto marca uma reviravolta inesperada na trajetória do preço da bebida, que pode aumentar muito com o imposto seletivo, ou “imposto do pecado”, como é mais conhecido. Ele pesa sobre itens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente para desencorajar seu consumo.

Hoje, os tributos que incidem sobre os vinhos chegam a 50% no Brasil. Essa carga é um dos muitos motivos pelos quais a cultura do vinho não é tão difundida por aqui quanto em outros lugares do mundo. Em países europeus ou nos nossos vizinhos Uruguai e Argentina, o vinho é muito mais presente na mesa das famílias.

Não deixa de ser curiosa, no entanto, a definição de vinho como “alimento natural”, ainda mais num país como o nosso, inundado por vinhos ultraprocessados feitos em larga escala, com uvas cultivadas com agrotóxicos e fermentadas com muita química. Mas não sou eu que vou atirar a primeira pedra em quem os bebe, ou seria autoflagelo: para adquirir uma garrafa de menos de R$ 100, é difícil fugir desse perfil.

Em meio a uma preocupação global com o consumo excessivo de álcool, é de se imaginar que o assunto gere resistências. Beberemos mais com uma redução no imposto do vinho? Não dá para dizer que não. Beberemos melhor? É possível.

Voltando ao conselho que ouvi anos atrás: assim como já ocorre na comida, a escolha de um vinho abrange decisões éticas, políticas e estéticas. Tem gente que já entendeu que tudo o que compramos traz uma consequência como brinde, não só para nós, mas para toda a cadeia produtiva e, muitas vezes, para o meio ambiente. Com as desigualdades do país e o baixo poder de compra da maioria, porém, ter essa capacidade de decisão hoje ainda é uma utopia.

Vai uma taça? Embora a edição 2025 do Guia Descorchados, que reúne a produção sul-americana de vinhos, ainda não tenha sido publicada, os destaques já estão sendo divulgados pelas vinícolas medalhistas. O destaque que eu destaco é a Vita Eterna, uma vinícola familiar fundada em 2017 em Pinto Bandeira (RS), região de excelência para espumantes e a única denominação de origem do Brasil específica para esse estilo de vinho.


Provei muitos vinhos deles, gostei especialmente dos espumantes. O Nature (R$ 174 na loja da vinícola), servido em taça em restaurantes de São Paulo, é muito elegante, sequinho, fresco e delicado, com borbulhas finíssimas.

Meu favorito é o Vita Eterna Orange de Noir (R$ 198 na loja da vinícola), um laranja que é resultado da fermentação do bagaço da pinot noir e das peles da chardonnay. Ele é exótico, complexo e estruturado, tem taninos sutis e aromas menos de damasco e especiarias. Foi eleito o espumante revelação do ano na edição que está para ser publicada.

O projeto do vinho saiu de uma degustação em uma confraria, segundo conta o fundador da vinícola, Eduardo Tocchetto, 30, economista de formação. “Provamos muitas coisas diferentes para ter referência, eventualmente ficamos mais ‘animados’ e aí surgem ideias mais diferentes”, diz e adianta que a cada ano novos rótulos devem surgir. Bom ficar de olho.


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