Intimidação de Trump aprofunda Brasil no Brics – 14/02/2025 – Igor Patrick


Não injustificadamente, o retorno de Donald Trump à Casa Branca trouxe de volta a conhecida ansiedade que rondou o planeta mundo afora entre 2016 e 2021. A percepção geral, a despeito da validade das ações tomadas pelo republicano até agora, é de que Washington vai novamente caminhar para uma diplomacia isolacionista, deixando um vácuo de governança nas relações internacionais. No Brasil, porém, a resposta parece se desenhando em uma direção: preenchê-lo com o Brics.

O Rio recebe em julho a cúpula de líderes do bloco pela primeira vez desde 2019. Na toada da priorização de pautas, o Planalto divulgou nesta semana uma “nota conceitual” em que delimita quais serão suas prioridades na presidência do grupo e quais temas quer focar. A ideia é fazer do fórum mais do que uma oportunidade de debates, também um instrumento estratégico para assegurar a relevância do país no cenário global a exemplo do G20 ano passado.

O lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável” dá o tom da agenda. O Brasil quer aprofundar as discussões acerca da reforma das instituições multilaterais e conta agora com um bom timing. É que sem os EUA na mesa, o bloco ocidental parece caminhar para um longo período de fragmentação e rusgas internas.

É o momento, presuma-se, de falar novamente em mudanças do FMI, fincar de vez a bandeira do Novo Banco do Desenvolvimento na agenda do Sul Global e mesmo avançar no espinhoso tema das moedas alternativas para comércio, diminuindo exposição ao dólar (e, portanto, às sanções americanas).

Trump falou sobre o tema na Casa Branca. Horas antes de receber Narendra Modi, reforçou a ameaça de impor tarifas de 100% aos países que tentarem contornar o dólar e disse que os membros do Brics vão implorar para não serem alvo da medida. Assusta à primeira vista, mas uma ameaça repetida mil vezes vai perdendo seu apelo; 100% de tarifas implodiria a indústria e o mercado consumidor americano —e se Trump não sabe disso, gente minimamente mais esperta que ele com certeza sabe.

O Brasil também terá a felicidade de sediar neste ano mais uma COP, no coração da Amazônia, ao passo em que a Casa Branca não só abandona o Acordo de Paris como adota como lema o “perfure, baby, perfure”, ampliando as concessões de exploração de petróleo. A nota do Planalto fala em articulação conjunta do Brics por mais financiamento climático e regras comerciais favoráveis a uma “transição energética justa”.

Música para os ouvidos chineses, que hoje não só são pioneiros da tecnologia verde como os principais exportadores de painéis solares, carros elétricos e outros insumos essenciais à transição energética.

Também na semana em que os EUA despacham para Paris o vice J. D. Vance para criticar a regulação à inteligência artificial, com os americanos se recusando a ratificar um acordo pela IA segura (a China, surpreendentemente, aceitou assinar), o Brasil diz que pretende avançar na construção de “infraestruturas digitais soberanas”, longe da influência de big techs ocidentais.

Em visita a Belém para discutir temas da COP, Lula admitiu não ter qualquer relação com Donald Trump e alertou que “se ele achar que pode fazer o que quiser, haverá reação”. Sobre retaliações comerciais falaremos em outro momento, mas ao menos no campo da diplomacia, as consequências da postura intimidadora americana estão vindo a galope —empurrando Brasil e o resto do Sul Global rumo à Ásia.


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