A vida no modo avião – 15/02/2025 – Ruy Castro


Quando a aeromoça avisa que, a partir dali, os celulares devem ser deixados no “modo avião”, dá para sentir o mal-estar ao meu redor. Os homens parecem acometidos de súbita disfunção erétil; as moças, sei lá, mas também revelam um desconforto. A ponte aérea não passa de 45 minutos, mas, sem o celular, pode ser tão longa quanto uma viagem Rio-Honolulu. Exceto para mim. Na condição de não usuário do aparelho –um dos últimos da espécie a ainda prescindir dele, donde em breve condenado à extinção–, já vivo o tempo todo em modo avião e sou muito feliz.

Há dias, minha colega Becky Korich [“Esqueci meu celular em casa, e agora?”, 13/1] descreveu seu terror ao constatar no táxi que deixara o bicho para trás e que, sem o Waze, não sabia nem dizer seu destino ao motorista. Se disparasse um WhatsApp para casa, poderiam mandar-lhe o celular por mensageiro, mas sem celular não se consegue enviar um WhatsApp. No trabalho, durante uma reunião, teve inveja dos colegas que, com os celulares zumbindo, se ausentavam por alguns minutos para ver as importantes mensagens que o mundo lhes mandava. Sem seu celular, era como se ela fosse uma asmática sem a bombinha.

Deve ser como estão se sentindo os garotos de volta às aulas e agora condenados por lei federal a deixar o celular em casa, na secretaria da escola ou na mochila. Como passar três ou quatro horas sem os vídeos agressivos, as mensagens de ódio, o bullying e outras ofertas das redes sociais? O que fazer com os polegares de repente ociosos? Como, aos 12 anos, suportar a vida real?

Espera-se que, em compensação, mudanças importantes logo sejam percebidas nas escolas. O recreio ficará mais barulhento. Alguns meninos constatarão que resolver um problema de matemática sem depender da maquininha pode ser maneiro. E que a menina ao lado é até bem bonitinha e observá-la lhes provoca inéditas reações químicas.

A vida no modo avião pode ser deliciosamente chata —sem fissuras, aflições e muito menos laricas eletrônicas.


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