Ozempic muda relação da magreza com esforço, diz estudiosa – 16/02/2025 – Equilíbrio


Tem se tornado corriqueiro nas redes sociais que se comente o emagrecimento repentino de celebridades associando a perda de peso a medicamentos como Ozempic, a injeção de semaglutida que regula hormônios do apetite. A tal “cara de Ozempic”, com bochechas ocas e olhos fundos, virou adjetivo para pessoas como Ariana Grande, Ice Spice e até Carlos Bolsonaro.

“Ariana Grande parece um esqueleto”, escreve um usuário do X, o antigo Twitter. “Eduardo Bolsonaro tá com cabeça de Ozempic. Tá estranho aquilo”, escreve outro.

É um movimento que, diz Michelle Lelwica, autora de “The Religion of Thinness” (A religião da magreza) e professora de religião e estudos de gênero da Concordia College (EUA), lembra a humilhação pública. “Aqueles que julgam os corpos dos que supostamente perderam peso do jeito errado estão regidos pela vergonha e obcecados em controlar o corpo alheio”, diz.

“Esses medicamentos normalizam a associação entre saúde e magreza, o que a ciência sugere que precisa de mais nuance. E sedimenta e reforça a equação que beleza significa magreza.”

O que eles trazem de mudança do ponto de vista social, segundo Lelwica, é que, agora, a magreza não demanda mais o sacrifício das dietas e do exercício físico. Para a pesquisadora, parte da virtude associada à magreza é que era necessário sofrer para atingir essa aparência. “Os valores cristãos impactam isso. Se você se controla e faz sacrifícios, você cria virtude. O sofrimento cria virtude. Então se você emagrece pela via rápida, perde esse sofrimento.”

Para ela, já existe julgamento em cima de quem opta por esse caminho, mas “o júri ainda vai se manifestar”. A comunidade médica, ela diz, não apela para esse discurso moralista e a indústria farmacêutica, essa sim, encoraja o caminho fácil dos medicamentos. As pessoas que optam pelos remédios estão, de certa forma, implodindo a narrativa do imperativo moral da magreza.

“O Ozempic mantém a ideia de que existe um tamanho certo”, diz Lelwica, “uma mentalidade que se aplica também à nossa forma de ver o mundo”. Nesse sentido, até o movimento body positive —que prega a adoção de um olhar positivo para corpos considerados fora do padrão magro— é afetado. Para Lelwica, esses medicamentos como Ozempic estão prejudicando a capacidade de valorizar a diversidade de corpos.

Ela lembra que o padrão de beleza nem sempre foi magro. Se hoje a magreza é símbolo de certo status, já foram as gordurinhas localizadas da Vênus de Botticelli o sinal máximo de prosperidade e abundância.

A professora diz, ainda, que a gordofobia é associada ao racismo por pensadores como Sabrina Strings no livro “Fearing the Black Body” ou Temendo o corpo negro. “Traz a ideia de que a gordofobia vem da visão colonial e europeia que os corpos negros são selvagens e incivilizados. E o apetite seria sinal dessa falta de civilidade”, diz.

Havia ainda a visão colonial de que homens africanos preferiam mulheres de corpos mais largos como evidência de seu vício pelo apetite e inabilidade de controlá-lo. “O controle do apetite ficou associado não só à riqueza, mas com a branquitude e com a supremacia branca.” Essa ideia valia também para minorias consideradas “menos brancas” pela perspectiva americana, como italianos do sul, irlandeses, judeus e etnias do leste europeu.

Ela diz que a ideia de magreza como um valor, embora estivesse presente na cultura europeia já no período colonial, ganhou tração no século 19. É o momento em que os ideais de beleza da era vitoriana florescem, com cinturas esmagadas em espartilhos e desmaios vistos como um charme.

“Mais imigrantes circulavam, com seus problemas e desvantagens e sem tempo para aperfeiçoar os corpos. A magreza se tornou uma preocupação dos ricos para se diferenciar”, diz.

No começo do século 20, a ideia realmente ganha fôlego. “Até alguns médicos da época resistiram à ideia de que mulheres deveriam ser magras porque eles se preocupavam que a perda de peso interferisse na fertilidade”, diz a pesquisadora. Para reforçar o valor, as feministas e sufragistas eram retratadas como gordas e feias.

Lá para a metade do século 20, os planos de saúde passaram a distribuir tabelas com o descritivo do peso ideal. Nas décadas de 1970 e 1980, esse peso passou a ser vendido como “saudável”.

É uma herança, segundo Lelwica, da noção cartesiana de divisão entre corpo e mente, na qual prevalece o domínio do primeiro. “É a noção de que, se tentarmos o suficiente, e usarmos nossa força de vontade, podemos conseguir”, diz.

Medicamentos como o Ozempic implodem essa noção, segundo a pesquisadora. “Tomar esse remédio é o oposto disso. É sugerir que talvez nossa força de vontade não seja onipotente e talvez nossos corpos, sabe, tenham suas próprias vontades.”



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