Análise: Europa atordoada com Trump tenta recalcular rotas – 19/02/2025 – Mundo


Por anos, líderes europeus se preocuparam em reduzir sua dependência de um errante Estados Unidos. Na segunda-feira (17), em reunião organizada às pressas em Paris, a preocupação deu lugar à aceitação apressada de um novo mundo no qual o aliado mais poderoso da Europa começou a agir mais como um adversário.

O plano de Donald Trump de negociar um acordo de paz na Ucrânia com Vladimir Putin, sem a participação dos ucranianos ou dos europeus, forçou líderes atordoados em capitais como Berlim, Londres e Paris a confrontar uma série de escolhas difíceis, compensações dolorosas e novos ônus.

Já em discussão está a possibilidade de que Reino Unido, França, Alemanha e outros países enviem dezenas de milhares de soldados para a Ucrânia como mantenedores da paz. Os governos europeus estão afirmando a necessidade de grandes aumentos em seus orçamentos militares —se não para os 5% do PIB exigidos por Trump, então para níveis não vistos desde os dias da Guerra Fria no início dos anos 1980.

“Todo o mundo está agitado no momento, compreensivelmente”, diz Lawrence Freedman, professor emérito de estudos de guerra no King’s College London. “O que é claro é que, aconteça o que acontecer, a Europa terá que se posicionar.”

Isso poderia colocar seus líderes em uma situação difícil. Enquanto o apoio público à Ucrânia permanece forte em toda a Europa, comprometer soldados para um dever potencialmente perigoso em solo ucraniano poderia rapidamente se tornar um passivo político doméstico. As estimativas sobre o tamanho de uma força de paz variam amplamente, mas sob qualquer cenário, seria um empreendimento extremamente caro em um momento de orçamentos apertados.

O presidente da França, Emmanuel Macron, o primeiro a sugerir a ideia de uma força de paz no ano passado —com ceticismo generalizado na Europa— foi enfraquecido desde que sua decisão de convocar eleições parlamentares fracassou e o deixou com um governo frágil.

A Alemanha pode não ter um novo governo de coalizão por semanas após sua eleição no próximo domingo (23). Na segunda-feira, o premiê Olaf Scholz rejeitou a ideia de mantenedores da paz como “completamente prematura” e “altamente inadequada” enquanto a luta ainda estava em curso.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que não precisa enfrentar os eleitores por quatro anos, disse que seu país está aberto a “enviar tropas ao terreno se necessário”. Mas ex-oficiais militares disseram que após anos de cortes orçamentários, o Exército britânico não estava equipado para liderar uma missão em larga escala e de longo prazo na Ucrânia. “Francamente, não temos os números e não temos o equipamento”, disse Richard Dannatt, ex-chefe do Exército britânico, à BBC.

Para alguns europeus, ainda é cedo para falar sobre uma era pós-americana no continente. Scholz e o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, alertaram os líderes para não romperem a aliança transatlântica, independentemente das tensões atuais.

Na prática, uma força de paz seria difícil sem apoio logístico dos EUA. Garantias de segurança de Washington, segundo analistas, são cruciais para tornar a proposta politicamente aceitável nas capitais europeias, onde alguns líderes terão que obter aprovação de seus parlamentos. Starmer falou de um “suporte americano”, dizendo que era “a única maneira de efetivamente dissuadir a Rússia de atacar a Ucrânia novamente”.

Freedman diz acreditar que altos funcionários do governo Trump, como o secretário de Estado, Marco Rubio, e o conselheiro de segurança nacional, Michael Waltz, entendem essas realidades e não estão determinados a retirar o guarda-chuva americano da Europa. Mas ele disse que os objetivos de Trump são mais difíceis de decifrar; seu desejo por poder irrestrito em casa tem sido profundamente alarmante para os europeus.

“No passado, você assumia que este era um país sério e competente”, diz Freedman. “É perturbador pensar que talvez não seja o caso. Existe uma sensação de que as proteções simplesmente não estão lá.”

Na Conferência de Segurança de Munique no último fim de semana, a ansiedade transbordou quando Christoph Heusgen, que preside o encontro, desabou em lágrimas durante seu discurso de encerramento. Foi uma exibição chocante de emoção de um diplomata alemão experiente, mas Heusgen poderia ser visto como simplesmente um canalizador dos sentimentos de seus colegas europeus.

Sua angústia não foi provocada pela notícia surpreendente da ligação de Trump com Putin nem pelo aviso do secretário de Defesa, Pete Hegseth, de que era irrealista a Ucrânia se juntar à Otan. Em vez disso, foi em resposta ao discurso contundente do vice-presidente J. D. Vance na conferência, no qual ele instou os europeus a pararem de evitar os partidos de extrema direita e os acusou de suprimir a liberdade de expressão.

“Temos que temer que nossa base de valores comum não seja mais tão comum”, disse Heusgen. Muitos alemães viram os comentários de Vance como uma interferência descarada nas eleições. O vice-presidente, que faltou a uma reunião com Scholz, encontrou tempo para se reunir com Alice Weidel, a líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD).

Os principais partidos da Alemanha se recusaram a entrar em coalizões com a AfD, que as agências de inteligência alemãs consideram uma organização extremista.

Enquanto isso, Trump ameaçou impor tarifas abrangentes à União Europeia. Isso poderia prejudicar as economias do bloco, o que tornaria ainda mais difícil aumentar os gastos com defesa.

O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, pediu aos membros da aliança que aumentem seus gastos para “consideravelmente mais do que 3% do PIB” (os EUA gastam 3,4%). Em 2023, a Alemanha gastou 1,5% do seu PIB com defesa, enquanto a França gastou 2,1%, e o Reino Unido, 2,3%.

Além das provocações políticas e econômicas, os líderes europeus estão lutando para entender a estratégia da administração Trump para a Ucrânia. As observações de Hegseth sinalizaram uma redução no apoio dos EUA aos objetivos de guerra da Ucrânia —algo que os líderes europeus lamentam, mas reconhecem privadamente que compartilham.

No entanto, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, em visita à capital ucraniana, Kiev, na semana passada, sugeriu que os EUA poderiam fornecer um “escudo de segurança de longo prazo” para a Ucrânia, desde que obtivesse acesso aos minerais valiosos do país. O anúncio de negociações entre Trump e Putin pegou de surpresa os líderes europeus e o presidente Volodimir Zelenski, da Ucrânia.



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