Como João Montanaro foi de jovem prodígio a titular – 22/02/2025 – Ilustrada


Em uma sala com piso de taco, samambaias, discos de vinil e uma gatinha chamada Bibi, João Montanaro, de 28 anos, violão na mão, toca “Blackbird” dos Beatles —agora febre entre fãs de diva pop com a versão de Beyoncé. “Nossa, que horror. Eu sou o próprio estereótipo [do morador da Santa Cecília]”, diz.

Vivendo o clichê de um morador do bairro no centro de São Paulo, o cartunista da Folha, começou a fazer quadrinhos para o jornal em 2010 quando tinha 14 anos e era considerado o “menino prodígio” do jornal. “Mas agora eu já tenho 28, isso já passou”, afirma.

Hoje, quando desenha para o jornal, ainda procura as mesmas referências do início de carreira, seus colegas na Folha, Angeli e Laerte. “Dentro [do mundo] dos quadrinhos não dá para negar, ainda olho para eles”.

Bem-humorado como suas histórias, resume sua rotina de maneira simples. Às segundas-feiras as charges são publicadas, então, pensa, esboça e finaliza de duas a três ideias no domingo, escolhe a melhor e manda para a Redação. Se não estiver tão inspirado no dia, pensa que “em meia hora alguma coisa vai acontecer” —é o que geralmente acontece. “É assim que a salsicha é feita.”

Montanaro afirma não ter apego ao material publicado. “Trabalho com jornalismo, que tem a missão de registrar o que está acontecendo, então o comentário das tirinhas dura 24 horas no máximo”.

Apesar do desapego, lembra mais facilmente das críticas que recebeu do que dos elogios, “por conta de respostas virulentas” de leitores descontentes.

Não esquece das cartas um tanto raivosas após a publicação de uma charge sobre um tsunami que atingiu o Japão em março de 2011. Para esta charge publicada um dia após a tragédia, o cartunista se inspirou na xilogravura “A Grande Onda de Kanagawa”, de Katsushika Hokusai, feita no século 19.

No desenho, Montanaro traçou um paralelo visual ao mostrar uma grande onda arrastando casas e uma usina nuclear. “Falaram que eu era um moleque insensível, fazendo piada de uma tragédia como aquela. E eu tinha só 14 anos”, conta. De acordo com ele, sua intenção era apenas fazer um “comentário visual” a partir da referência.

À época foi apoiado por colegas cartunistas. Um deles foi Ziraldo, na época, e afirmou que “[a tirinha] é uma homenagem à arte japonesa! Eu gostaria de ter tido essa mesma ideia”. Outro que o defendeu foi Gabriel Bá, ilustrador da série de HQ’s ‘The umbrella Academy”, adaptada em 2019 como série da Netflix . “O artista tem que dar a cara a bater. Ele foi corajoso”.

Além das charges, Montanaro colabora para a Folhinha, suplemento para pequenos leitores publicado sempre aos primeiros sábados de cada mês, que ganhou a categoria de Iniciativa Editorial Prêmio Folha de 2024.

Ajuda na parte visual do projeto e “ilustra com muita liberdade”. “Nunca faço a mesma coisa. Cada página tento fazer um estilo diferente. Isso é uma capacidade que eu valorizo em mim e fico agradecido da Redação topar”, afirma.

Fora da imprensa, Montanaro divide um ateliê com outros artistas no bairro do Bom Retiro. “Estou atrás de referências e repertório de história da arte que eu não dava tanta atenção quando eu era moleque”.

Na pintura, descobriu “outras formas de brincar com a imagem” após trabalhar com o mesmo formato por tanto tempo. “Por mais que eu tenha autonomia nos meus trabalhos, ainda estou no contexto do jornalismo; na pintura consigo fazer algo para mim”, diz.

Não considera charges e tirinhas como arte. Para ele, arte tem muita ligação com a intuição, sem precisar ter nenhum outro motivo para ser feita. “Não acho que minha intuição entra muito nas tirinhas quando como eu tenho que pintar. São coisas novas que estou aprendendo com quase 30 anos.”



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