O mundo das finanças islâmicas está mudando; entenda – 22/02/2025 – Mercado


A emissão de títulos islâmicos pode ser interrompida devido a um novo e controverso conjunto de propostas de clérigos religiosos, dizem agências de classificação de crédito, que fazem alerta de que o mercado de US$ 1 trilhão em rápido crescimento pode se fragmentar como consequência desses planos.

A Arábia Saudita e outros estados de maioria muçulmana aguardam o resultado de uma consulta da AAOIFI (sigla em inglês para Organização de Contabilidade e Auditoria para Instituições Financeiras Islâmicas, o principal órgão de definição de padrões da indústria) sobre seus planos para que emissores de títulos islâmicos transfiram a propriedade legal dos ativos que os sustentam para os investidores.

A AAOIFI afirma que a medida é necessária para harmonizar a emissão em várias jurisdições e garantir que esteja mais próxima de princípios islâmicos de compartilhamento de riscos em contratos. O órgão afirmou em audiências neste mês que implementaria as medidas, conhecidas como Padrão 62, neste ano, embora se espere que os emissores tenham até três anos para implementá-las.

Analistas disseram que as propostas representam uma grande mudança que adicionaria enorme complexidade legal e aumentaria os custos de transação para os títulos islâmicos, conhecidos como sukuk.

Eles dizem que isso pode afastar investidores e dificultar a emissão, além de levar diferentes países a seguirem diferentes padrões.

“Haverá um impacto imediato”, disse Reza Baqir, ex-governador do banco central do Paquistão e diretor-gerente de serviços de consultoria soberana na Alvarez & Marsal. “Há um risco de que isso estratifique o mercado e atrase a adoção mais ampla do sukuk.”

Os sukuk fornecem um meio de contornar a proibição muçulmana de participar de transações envolvendo juros, colocando o ativo de um emissor em um fundo independente, que gera renda para os investidores com base em um fluxo de pagamentos previamente estabelecido, em vez de um cupom fixo.

O mercado para esses instrumentos semelhantes a títulos cresceu rapidamente, com previsão de emissão de US$ 200 bilhões neste ano, de acordo com a S&P Global. A emissão em moeda estrangeira subiu 24% no ano passado, à medida que os tomadores de empréstimos começam a buscar investidores nos EUA e na Europa.

No entanto, os estudiosos da AAOIFI estão preocupados que o mercado em sua forma atual não adere ao espírito da jurisprudência financeira islâmica. Muitos clérigos querem ver algo mais semelhante a um investimento em ações, no qual a propriedade do ativo é transferida durante a vigência do contrato.

A lei islâmica está aberta à interpretação e não há um conjunto único de regras acordadas, com a AAOIFI fornecendo orientação com base no consenso de 21 estudiosos seniores em direito e finanças islâmicas.

Em 2008, em um momento seminal para a indústria, o presidente da AAOIFI, Sheikh Muhammad Taqi Usmani, disse que 85% do mercado violava princípios-chave da lei islâmica por não compartilhar adequadamente o risco entre o devedor e o credor. Isso desencadeou uma transição para mais títulos lastreados em ativos.

As agências de classificação S&P Global e Moody’s disseram que os investidores em títulos seriam afastados, temporária ou permanentemente, devido à proposta da AAOIFI, já que as novas estruturas não mais imitariam um título convencional.

A Moody’s também disse que a mudança pode “significativamente” reduzir a emissão de sukuk em 2025 se adotada em sua forma proposta. A Fitch afirmou que mais movimentos em direção a uma estrutura similar a ações podem tornar os instrumentos não classificáveis.

“Se o sukuk deixar de ser um instrumento de renda fixa, você perderá investidores”, disse Mohamed Damak, chefe global de finanças islâmicas da S&P Global.

Analistas também disseram que regras que impedem estrangeiros de possuir terras e propriedades em alguns estados do Oriente Médio podem dificultar para os soberanos transferir a propriedade como parte de qualquer emissão de dívida, mesmo que temporariamente.

A Arábia Saudita é agora o maior emissor de sukuk, tendo buscado investimento estrangeiro para ajudar a financiar os ambiciosos planos Vision 2030 do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para modernizar o reino. Os títulos islâmicos representam cerca de 60% de sua emissão total de dívida, de acordo com o provedor de dados Dealogic.

Vários advogados envolvidos na estruturação de contratos de sukuk islâmico disseram esperar que os reguladores sauditas apliquem regras com base em uma interpretação mais flexível da lei islâmica, em vez de cumprir a interpretação estrita da AAOIFI, fragmentando o mercado.

“Se você interpretar as regras da maneira mais rígida e preto no branco, será um tiro no pé, porque encolherá o mercado”, disse Debashis Dey, sócio do escritório de advocacia White & Case.

Dey acrescentou que o Padrão 62 poderia levar à criação de uma gama de estruturas, incluindo um instrumento semelhante a um covered bond —uma dívida segura que dá aos investidores recurso tanto ao banco emissor quanto a um conjunto de ativos— em um extremo e um instrumento semelhante a ações no outro.

Apesar de o Padrão 62 da AAOIFI ser apresentado como orientação, estudiosos religiosos têm se tornado cautelosos com as várias rotas que os praticantes adotam para contornar as mudanças pretendidas.

“Os sukuk não parecem mais muito diferentes dos títulos convencionais e o mercado precisa voltar às suas raízes, que estão no comércio, não na dívida”, disse Harris Irfan, ex-chefe de finanças islâmicas do Deutsche Bank e fundador da Cordoba Capital.

“Haverá um período de transição doloroso. Alguns soberanos podem dizer que ‘não estamos jogando este novo jogo’, mas não há razão para que investidores institucionais não possam participar”, acrescentou Irfan.



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