Hospital que foi do prefeito Daniel já recebeu R$ 92 milhões da Prefeitura

Em apenas 4 anos, a Prefeitura de Ananindeua pagou quase R$ 92,5 milhões ao Hospital Santa Maria, que pertence ou pertenceu ao prefeito da cidade, Daniel Barbosa Santos. Os números são do portal municipal da Transparência e foram atualizados pelo DIÁRIO com base no IPCA de dezembro de 2024. Os pagamentos ocorreram entre janeiro de 2021, primeiro ano da administração de Daniel, e o mês de dezembro. A média de pagamentos é de R$ 23 milhões por ano. O que significa que o Santa Maria ainda deverá receber pelo menos mais R$ 92 milhões até 2028. Ou seja, até o final da segunda administração do prefeito, que foi reeleito em outubro passado. A fartura de dinheiro para o Santa Maria é o oposto da situação de outros hospitais de Ananindeua, que estão até fechando as portas devido a sucessivos calotes do prefeito.Os recursos são do Sistema Único de Saúde (SUS) e caem diretamente na conta do Fundo Municipal de Saúde (FMS), para que a Prefeitura pague os hospitais. Como Ananindeua possui “gestão plena” do sistema municipal de saúde, é a Prefeitura quem contrata os hospitais para os serviços necessários à população. E é ela, também, quem fiscaliza se esses serviços foram realmente prestados e os valores devidos. Tudo a partir de um “chamamento público”: a Prefeitura publica um aviso, para que os hospitais se apresentem para prestar esses serviços. Ela, então, verifica a documentação deles. E faz os contratos de acordo com o que cada um está habilitado (apto) a fazer. O problema é que o Santa Maria foi se tornando cada vez mais “apto” a abocanhar recursos do SUS, ao mesmo tempo em que Daniel Santos crescia na carreira política.Estranhamente, o portal municipal da Transparência não registra pagamentos ao hospital anteriores a 2019. E também indica “erro”, para os registros de 2020, quando Daniel Santos se elegeu prefeito pela primeira vez, com o apoio do então prefeito da cidade, Manoel Pioneiro. Sem as informações do portal, não há como dizer quanto o Santa Maria recebeu exatamente, nos anos anteriores. Mas o DIÁRIO obteve cópias dos contratos entre a Prefeitura e o hospital, no site do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e no Diário Oficial. Os contratos indicam um direcionamento de recursos cada vez maior, da Prefeitura para o Santa Maria. Aumentos talvez até irregulares e incompatíveis com a estrutura do hospital na época. E indicam, ainda, picos de recursos no ano eleitoral de 2020 e no ano de 2023, às vésperas das eleições do ano passado.Conteúdo RelacionadoDaniel Santos dá calote milionário em empresas de lixoSTJ rejeita pedido de Daniel para trancar investigaçõesComunidade cobra promessas não cumpridas em AnanindeuaO Santa Maria (CNPJ: 17.454.167/0001-25) foi aberto em janeiro de 2013, três meses depois de Daniel Santos se eleger vereador pela primeira vez. Na época, eram quatro sócios, e ele ainda não figurava na sociedade, pelo menos na papelada da Junta Comercial do Pará (Jucepa). Mas já em meados de 2014, ele e o médico Elton dos Anjos Brandão se tornaram os únicos donos daquele hospital. Até agora, o Santa Maria obteve dois contratos com a Prefeitura. O primeiro foi assinado em outubro de 2013. Era de R$ 7,140 milhões anuais, em valores da época. Mas foram tantos os aditivos que, em outubro de 2017, ele já estava em quase R$ 15 milhões por ano: um aumento de 110%, embora previsse um acréscimo máximo de 25% do seu valor. Já o segundo contrato, em fevereiro de 2019, alcançou R$ 18,3 milhões anuais. E chegou a quase R$ 21 milhões, em fevereiro do ano eleitoral de 2020. Em valores atualizados, esses R$ 21 milhões equivalem a R$ 28 milhões.ESTRUTURAApós assumir a Prefeitura de Ananindeua, Daniel Santos teve o cuidado de não aumentar o valor do contrato do Santa Maria, em 2021 e 2022, enquanto ainda permanecia como sócio do hospital. Afinal, isso talvez lhe valesse acusações de improbidade administrativa de mais fácil comprovação. O aumento só veio em fevereiro de 2023, quando o contrato foi prorrogado por mais um ano e ficou em quase R$ 21,7 milhões. Mas o que o Santa Maria efetivamente recebeu naquele ano, diz o portal da Transparência, foram R$ 27,3 milhões, ou R$ 28,8 milhões atualizados. Ao que parece, a maior destinação de recursos de todos os tempos. Em fevereiro do ano passado, quando o contrato foi prorrogado por mais um ano, chegou a R$ 22,2 milhões anuais. Mas o que efetivamente recebeu, diz o portal da Transparência, foram R$ 21,4 milhões.

Dois fatos chamam atenção no contrato de 2013, entre a Prefeitura de Ananindeua e o Santa Maria. O primeiro é a estrutura aparentemente pequena daquele hospital, na época, para um contrato daquele tamanho. Entre 22/01/2013, quando foi aberto, e 10/07/2013, o Santa Maria teria estado até inativo, já que não teve “informações sobre movimentação financeira”, segundo declaração à Jucepa do seu sócio Elton dos Anjos Brandão. Além disso, em 2013 e 2014, o capital social do Santa Maria era de apenas R$ 60 mil (pouco mais de 118 mil atualizados) e as suas máquinas e equipamentos somavam apenas R$ 170 mil (hoje, pouco mais de R$ 335 mil), dizem balanços contábeis na Jucepa. Para completar, em novembro de 2013, ele possuía apenas 33 profissionais cadastrados, informa o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).Isso é 6 vezes menos do que os 181 profissionais cadastrados pelo Hospital Anita Gerosa, antes de seu fechamento. E os pagamentos da Prefeitura ao Anita Gerosa ficaram em torno de R$ 9 milhões anuais, em 2023 e 2024. É também muito menos do que os 96 profissionais cadastrados pelo Hospital das Clínicas de Ananindeua (HCA), em dezembro de 2023, ano em que ele recebeu da Prefeitura R$ 10,4 milhões. Como explicar, então, que um hospital tão pequeno quanto o Santa Maria tenha obtido um contrato, em 2013, cujo valor atualizado é hoje de R$ 13,5 milhões? No entanto, o que chama ainda mais atenção é a composição desse corpo profissional.No Anita Gerosa havia 71 técnicos de Enfermagem e 32 enfermeiros. No HCA, 37 técnicos de Enfermagem, 7 enfermeiros e 5 auxiliares de Enfermagem. Já no Santa Maria, entre os seus 33 profissionais, apenas 6 eram técnicos de Enfermagem e 1 era enfermeiro, para as dezenas de leitos que teria passado a ofertar ao SUS, graças a esse contrato. É um fato instigante, já que são esses profissionais que cuidam dos pacientes, no dia a dia dos hospitais. Assim, é bem difícil imaginar que apenas 7 deles dessem conta de acompanhar cirurgias, realizar atendimentos ambulatoriais e ainda cuidar de dezenas de pacientes, 24 horas por dia.O próprio Santa Maria, aliás, é exemplo disso: hoje, dos seus 137 profissionais cadastrados, 58 são técnicos de Enfermagem e 9 são enfermeiros. Mas aquele contrato de 2013 previa, além de internação hospitalar de média complexidade (para pequenas cirurgias, por exemplo), assistência médico-ambulatorial de média/alta complexidade e internações até em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Só que, segundo o CNES, apenas em 2015 é que o Santa Maria contratou médicos intensivistas (2) e técnicos de Enfermagem de terapia intensiva (5).Junto com a ascensão política de Daniel Santos, esse contrato de 2013 parece ter sido decisivo para turbinar o crescimento inicial do Santa Maria. Em 2014, o faturamento do hospital ficou em R$ 7,9 milhões, em valores da época (quase R$ 14 milhões atualizados), ou quase o valor contratual. Dois anos depois, em 2016, esse faturamento saltou para cerca de R$ 16 milhões (R$ 23,7 milhões atualizados). Em 2019, chegou a quase R$ 64 milhões (R$ 86 milhões atualizados). Em 2020, com a pandemia, saltou para R$ 128 milhões (R$ 166 milhões hoje). Em 2021, atingiu quase R$ 144 milhões (R$ 168 milhões hoje). E em 2022, o último balanço contábil registrado na Jucepa aponta um faturamento de cerca de R$ 148 milhões (R$ 163 milhões atualizados).Ou seja: em apenas 8 anos, entre 2014 e 2022, o faturamento do Santa Maria cresceu 1.068% acima da inflação. Uma escalada que coincidiu com a de Daniel Santos. Em 2016, ele se reelegeu vereador e foi presidir a Câmara Municipal de Ananindeua. Em 2018, elegeu-se deputado estadual e foi escolhido para presidir a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), nos anos de 2019 e 2020. Naquele ano, elegeu-se prefeito de Ananindeua. Mas não só: a partir de sua passagem pela Alepa, o Santa Maria também obteve um mar de recursos do Iasep, o instituto de Assistência do funcionalismo estadual.Entre 2019 e meados de 2023, diz o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), uma quadrilha teria desviado R$ 261 milhões do Iasep para o Santa Maria. E entre os participantes do esquema estariam Daniel Santos e o sócio dele, Elton dos Anjos Brandão. Segundo a Jucepa, o prefeito teria deixado de ser sócio do Santa Maria em maio de 2022. Mas, no MPPA, acredita-se que ele continuou como “sócio oculto”. Graças às transações daquele hospital, o prefeito, que, em 2012, declarou à Justiça Eleitoral possuir apenas um Toyota Corolla no valor de R$ 65 mil (R$ 129 mil atualizados), hoje é dono de fazendas e de milhares de cabeças de gado, além de cavalos de raça e aviões. Uma fortuna que, por baixo, deve ultrapassar R$ 50 milhões.STJEm revés para Daniel Santos, O ministro Sebastião Reis Junior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), rejeitou o Habeas Corpus (HC) ajuizado pelo prefeito de Ananindeua para trancar as investigações contra ele, por suspeita de participação no desvio de R$ 261 milhões do Iasep, o instituto de Assistência do funcionalismo estadual, para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence ou pertenceu ao prefeito. A decisão do ministro é do último dia 24, e ganhou repercussão nacional ao ser noticiada pelo jornalista Matheus Leitão, da Revista Veja.Essa foi a quarta derrota de Daniel Santos no STJ, na tentativa de barrar as investigações. Em setembro do ano passado, o ministro Sebastião Reis Junior já havia rejeitado a liminar (decisão imediata e provisória) pedida pelo prefeito no HC. Agora o caso deverá ser julgado, no próximo dia 20, pela 6ª Turma daquele tribunal, e a tendência é que acabe arquivado, devido à decisão do ministro, que é o relator do processo.Quer saber mais de Pará? Acesse o nosso canal no WhatsAppAs investigações contra Daniel Santos são comandadas pelo desembargador Pedro Sotero, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), já que prefeitos possuem o chamado “foro privilegiado”: só podem ser processados pelos tribunais, a chamada “segunda instância”.Veja quanto o Hospital Santa Maria, que foi ou ainda é do prefeito Daniel Santos, recebeu da Prefeitura de Ananindeua, de 2021 até o ano passado. Os números são do portal da Transparência e foram atualizados pelo IPCA de Dezembro2021: R$ 16.996.153,522022: R$ 25.245.337,962023: R$ 28.805.661,252024: R$ 21.438.531,46TOTAL: R$ 92.485.684,19

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