Análise: Trump empodera vice como valentão na diplomacia – 01/03/2025 – Mundo


Entre todas as ondas sísmicas que reverberam da humilhação pública imposta por Donald Trump a Volodimir Zelenski no Salão Oval nesta sexta (26), uma figura se destaca: a do vice americano, J.D. Vance.

Ele assumiu a linha de frente ao lado do chefe no massacre ao vivo do líder ucraniano, que passava o pires atrás da continuidade de um apoio que não virá mais da forma que vinha —se é que seguirá existindo.

Interveio mais de uma vez no já acalorado debate entre os dois presidentes, e questionou se Zelenski pensava em agradecer alguma vez pelos quase R$ 700 bilhões que os EUA já enviaram em ajuda rastreável para Kiev resistir à invasão de Vladimir Putin.

Trump e seu vice podem ter assumido a retórica russa do conflito, como no veto à entrada de Kiev na Otan ou na admissão de perdas territoriais para Putin, mas neste ponto específico não estão sozinhos.

São notórios os casos em que autoridades ocidentais se queixavam da abordagem agressiva do ucraniano. “Nós não somos a Amazon”, queixou-se um aliado, o então secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, durante os insistentes pedidos por mais baterias de defesa aérea na cúpula da Otan de 2023.

Vance, um convertido ao trumpismo, assumiu um papel inédito nessa largada de governo. Para usar a expressão de Trump a Zelenski, ele foi empoderado pelo chefe para ser um valentão, no caso na disputa de Washington com seus parceiros europeus. O vice estava presente nas igualmente televisionadas visitas do francês Emmanuel Macron e do britânico Keir Starmer.

O principal palco da briga é Kiev, mas já houve cotoveladas acerca de regulação de inteligência artificial e até um estranhamento um estranhamento com o papa Francisco antes. No seu infame discurso em Munique há duas semanas, Vance chocou os aliados ao acusar os europeus de serem seus próprios inimigos e dizendo que os EUA não estarão lá para sempre.

Hoje, a segurança europeia depende largamente dos EUA, e não se trata apenas de metas de gasto militar —os americanos somam 39,4% do orçamento global de defesa, ante 22,1% de todos seus aliados no continente.

Mas só os americanos têm hoje capacidade logística, com aviação de transporte e de reabastecimento aéreo, para a eventualidade de um conflito de alta intensidade e longa duração.

Os parceiros europeus na Otan têm tentado suprir isso ao longo dos anos, mas estão longe de Washington. Só de aviões de transporte pesados, os EUA têm uma frota de 182 aeronaves, ante 132 dos europeus, por exemplo.

Na diplomacia de força bruta esposada por Trump, são esses números que valem. Vance acenou com a retirada de tropas americanas da Europa, algo que o presidente tentou fazer sem sucesso no primeiro mandato (2017-21) porque, ao fim, as bases lá são vitais para a projeção global de poder do país.

Hoje há cerca de 64 mil militares americanos no continente, pouco mais da metade na Alemanha. Isso contrasta com as ideias isolacionistas do guru ideológico de Vance, o pensador conservador Patrick Deneen, advogado de um EUA fechado ao mundo.

Se continuar com o destaque atual, Vance romperá uma tradição americana, que é a de o vice ser decorativo. Joe Biden até fazia alguns papéis de embaixador da política externa de Barack Obama nos dois mandatos da dupla (2009-16), mas nada parecido com o que se viu em Munique e na Casa Branca.

Um desafio para a missão de Vance é exatamente o holofote. O presidente é conhecido por afastar quem busca ofuscá-lo, como foi o caso do seu então estrategista Steve Bannon no começo de sua primeira gestão.

Essa desconfiança é um traço comum dos populistas mundo afora, como a relação tumultuada entre Jair Bolsonaro (PL) e Olavo de Carvalho.

Em favor de Vance há a realidade constitucional americana de que Trump não pode se candidatar à reeleição, salvo alguma virada de mesa que mesmo sob os fumos de sua pretensa revolução institucional parece improvável.

Com isso, o herdeiro presumido se mostra ao mundo, de olho na campanha de 2028, restando saber se Trump aplicará um dia a continuação da frase do valentão a Zelenski: “Você não acha que pode ser um valentão sem os EUA”, trocando aí o país pelo presidente.



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