Jeff Bezos e o novo editorial do Washington Post – 04/03/2025 – Wilson Gomes


“Vamos escrever diariamente em apoio e defesa de dois pilares: liberdades individuais e mercados livres. Claro, também abordaremos outros temas, mas pontos de vista contrários a esses pilares serão deixados para que outros veículos publiquem.”

O “nós” da citação é nada menos do que o prestigioso jornal Washington Post. O autor dessa chocante declaração é seu atual proprietário, Jeff Bezos.

Como chegamos a esse ponto? Se você se acha um democrata convicto, mas está certo de que não deve compartilhar a mesa com posições políticas que considera erradas, perigosas ou inaceitáveis, mesmo que verbalizadas, apoiadas e votadas por um grande número de nossos concidadãos, tenho duas notícias para você. A primeira é que você não está sozinho. Antes, está afinado com uma enorme tendência política mundial. A segunda, lamento, é que há muito pouco de democrata em você.

A democracia é um regime político projetado para acolher, considerar e tratar divergências de entendimento, pontos de vista e interesses. Um regime não é democrático apenas porque nele você pode falar o que quiser, desde que não viole direitos ou avance contra a dignidade dos outros; um regime é democrático se, muito além disso, você tiver que conviver com posições que não aprova e ouvir coisas que lhe são desagradáveis.

Um dos maiores problemas da democracia hoje é a facilidade com que se negligencia a segunda dimensão da discussão e da con vivência públicas —a obrigação de ouvir e considerar o que desaprovamos— enquanto enfatizamos o direito que nosso lado tem de ser ouvido e levado em consideração. Uma piora notável nesse cenário ocorre quando queremos, além disso, a prerrogativa

pedagógica de que se eduquem compulsoriamente os outros em nossos princípios e valores.

Os progressistas, por exemplo, adoram a ideia de educar ideologicamente. Foi assim que surgiram os esforços de alfabetização (ou “letramento”, como preferem os mais americanizados). Há letramento de todo tipo: racial, midiático, de gênero, digital. Não é arrogante e autoritário achar que outros adultos precisam ser alfabetizados? “Imagine! Desde que os outros pensem exatamente o que consideramos certo, somos absolutamente flexíveis, abertos e críticos.”

Bezos prova que o “outro lado” não se sai melhor no quesito.

Ele não diz que proibirá colunistas e repórteres de expressarem pontos de vista discordantes, mas, na prática, impõe um direcionamento editorial que elimina a livre concorrência de ideias dentro do próprio jornal. O pluralismo? Que vá encontrar refúgio em outras publicações ou na internet. O Washington Post, a partir de agora, será um veículo de letramento ideológico.

O que há de comum entre esse projeto e o letramento social dos progressistas? Tudo. No fundo, Bezos e os adeptos do letramento compartilham a mesma convicção: a de que há valores e princípios que precisam ser ensinados e assimilados e que aqueles que não os compreendem corretamente devem ser guiados para o caminho certo. O progressista que quer alfabetizar os outros em raça, gênero e desinformação parte do princípio de que quem não enxerga o mundo sob sua ótica é socialmente ignorante ou adotou valores errados, fruto de privilégios não questionados ou resistência reacionária. O liberal que quer evangelizar o público sobre livre mercado e liberdade individual acredita que quem não aceita esses valores é refém do coletivismo e da mentalidade estatista, devendo portanto ser corrigido.

Ambos os lados consideram seus valores como axiomas inquestionáveis, e quem discorda não tem apenas uma perspectiva diferente, mas precisa ser reeducado. No caso do letramento progressista, isso assume a forma de programas educativos, iniciativas institucionais e cursos de conscientização. No caso do Washington Post, isso se traduz em uma política editorial que restringe a variedade de opiniões ao que

a alta administração do jornal considera “verdades fundamentais”. Em um contexto, são workshops sobre privilégio branco e interseccionalidade. No outro, são editoriais sobre a necessidade de cortar impostos e desregulamentar a economia. O método difere, mas a intenção é a mesma.

Ora, a democracia não é um projeto de reeducação das massas conduzido por aqueles que sabem o que é melhor para todos. Democracia pressupõe que as pessoas possam chegar a conclusões diferentes e que nenhuma concepção possa se afirmar como a única verdade admissível. Quem não aceita isso, no fundo, compartilha a crença de que a sociedade só será livre quando todos pensarem da sua maneira.


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