Como é a rotina dos idols de k-pop e atores no serviço militar sul-coreano


Imagine acompanhar um ator famoso e ele, de repente, desaparecer das telas por quase dois anos por conta do serviço militar obrigatório de seu país?

Quem é fã de artistas sul-coreanos conhece bem essa história. No país, todos os homens são obrigados a se alistar até os 28 anos – salve os casos em que se pode adiar o início da vida militar.

Os sete integrantes do grupo de K-pop BTS, por exemplo, foram aos poucos se alistando entre 2022 e 2023. Jin e J-Hope já completaram o serviço e retornaram à vida civil, enquanto RM, SUGA, Jimin, V e Jungkook têm previsão de dispensa para junho de 2025.

Não é fácil pausar a carreira para cumprir o dever de cidadão. O idol de k-pop From20, de 32 anos, precisou sair mais cedo do reality “The Unit”, em 2018, por esse motivo.

O programa oferecia uma nova chance a artistas que já haviam estreado na indústria da música, mas ainda buscavam maior reconhecimento. Entre os mentores, estavam grandes nomes do mercado musical da Coreia do Sul, como Rain e Taemin.

“No início, fiquei muito surpreso e decepcionado”, lamentou à CNN. “‘The Unit’ era uma nova oportunidade para mim, e eu deveria poder mostrar mais de mim no palco, então não foi fácil deixar o programa antes do previsto”.

Mas ele entendia o dever que precisava cumprir.

“Na época, fiquei com muita vontade de continuar no palco, mas, por outro lado, também pensei que voltaria mais maduro depois de concluir o serviço militar”, afirma.

Já o brasileiro de ascendência coreana Samuel Jun, 26 anos, enfrentou um momento de incerteza quando o mundo parou devido à pandemia da Covid-19, logo após abandonar uma faculdade que não queria mais cursar.

“Eu não sabia o que fazer, era difícil arranjar trampo. Fazer outra faculdade também ia ser meio difícil, então meu pai sugeriu isso: ‘Você pode ir lá, ganhar uma graninha. Mesmo que pouco, assim você consegue se sustentar’. Então eu acabei indo pra lá”, relata.

From20 disse à CNN que precisou sair do reality show “The Unit” para cumprir o serviço militar obrigatório. • Divulgação

O que é o serviço militar na Coreia do Sul?

Segundo o site oficial da Administração de Recursos Humanos Militares da Coreia do Sul, o órgão governamental responsável por supervisionar o recrutamento, a gestão e a liberação dos militares no país, “sem soldados bem treinados, as batalhas não podem ser vencidas”.

O serviço militar obrigatório tem como principal objetivo impedir o avanço de forças estrangeiras e manter o Estado preparado para que o inimigo não inicie uma guerra. Vale lembrar que até hoje a Coreia do Sul está tecnicamente em guerra com a Coreia do Norte, já que um tratado de paz nunca foi assinado depois da Guerra da Coreia (1950-1953), apesar dos dois lados terem entrado em um armistício.

“Cumprir o serviço militar é um compromisso com o povo do país e deve estar fundamentado em uma ideologia nobre, na qual os indivíduos se dedicam à sua nação, empregando todas as suas capacidades mentais e físicas. Assim, o serviço militar é a própria expressão de lealdade à nação”, indica o órgão na plataforma.

A obrigatoriedade do serviço militar geralmente se aplica entre os 18 e 28 anos, sendo que a maioria dos homens coreanos precisa se alistar e servir antes de completar 28 anos. Mas também existem algumas exceções e condições especiais para adiamento ou isenção, principalmente para aqueles que têm um impacto significativo na cultura ou no esporte do país.

Duração e modalidades de serviço

O tempo de serviço militar obrigatório na Coreia do Sul varia conforme a categoria e a força em que o indivíduo serve. No geral, a maioria dos recrutas cumpre entre 18 e 21 meses de serviço.

Critérios para isenção do Serviço Militar

Todos os homens coreanos passam por um exame físico obrigatório que determina sua aptidão para o serviço militar. Com base nessa avaliação, eles recebem uma classificação de grau 1 a 7:

  • Graus 1 a 3: Apto para serviço militar ativo. Será convocado para servir nas Forças Armadas (Exército, Marinha ou Força Aérea).
  • Grau 4: Serviço social obrigatório. Não podem servir no Exército por questões médicas, mas ainda estão aptas a trabalhar em funções administrativas ou assistenciais em hospitais, órgãos públicos, escolas, etc.
  • Grau 5: Isento do serviço ativo e do serviço social (reserva de emergência). Tem condições médicas mais graves, que não pode realizar atividades físicas nem manter uma rotina estável de trabalho. Pode ser convocado em caso de guerra para funções não combatentes.
  • Grau 6: Totalmente isento do serviço militar. São pessoas com deficiências permanentes ou doenças graves. Não precisam comparecer nem mesmo em caso de guerra.
  • Grau 7: Exame inconclusivo, não pôde determinar a aptidão do candidato, então ele deve refazer o exame em outro momento.

O líder do SEVENTEEN, S.Coups, é um exemplo do Grau 5. A PLEDIS Entertainment, agência que gerencia o grupo, informou em uma nota divulgada em março de 2024 que o rapper foi isento de servir ao Exército. Na época, ele estava se recuperando de uma cirurgia de grande porte, que foi a reconstrução de dois ligamentos no joelho.

Atletas e artistas excepcionais podem ser isentos?

O exército da Coreia do Sul concede benefícios a atletas e artistas por feitos excepcionais em suas áreas. Atletas que conquistam uma medalha de ouro nos Jogos Asiáticos ou qualquer medalha nas Olimpíadas, por exemplo, têm direito a um serviço militar alternativo em vez do serviço obrigatório regular.
Em 2022, a equipe sul-coreana de League of Legends conquistou a medalha de ouro nos Jogos Asiáticos. No entanto, os jogadores não receberam isenção completa do serviço militar. Em vez disso, eles foram incluídos no programa de “Pessoal de Arte e Esportes”, um sistema especial que permite que atletas e artistas selecionados cumpram suas obrigações militares de maneira diferente.
Segundo o jornal The Korea Herald, os atletas e artistas contemplados por esse programa devem completar quatro semanas de treinamento militar básico e, depois, continuar atuando profissionalmente em suas áreas por um período de 34 meses. Após esse período, são considerados como tendo cumprido suas obrigações militares.
Atletas e músicos clássicos ou de música tradicional coreana podem se qualificar para esse benefício, mas artistas de música pop, como ídolos do K-pop, não estão elegíveis para o programa.
O benefício que ídolos do K-pop podem ter é o de adiar o serviço militar até os 30 anos. Em novembro de 2020, foi aprovada uma emenda à Lei do Serviço Militar, permitindo que aqueles que receberam medalhas governamentais por sua contribuição à disseminação e influência cultural da Coreia do Sul solicitem o adiamento do alistamento.

O que fazem no serviço social?

SUGA, do BTS, está atualmente cumprindo o serviço militar obrigatório, mas, ao invés de servir nas forças armadas, ele está realizando o serviço social. • Reprodução/Instagram

SUGA, integrante do BTS, foi classificado como Grau 4 no exame físico, devido a uma cirurgia no ombro que o tornou inapto para o serviço militar ativo. Por isso, ele está cumprindo suas obrigações trabalhando em funções administrativas em vez de servir no Exército.

Os agentes do serviço social servem por 21 meses, o que é um pouco mais longo que o serviço militar ativo, de 18 meses. Eles trabalham em horário comercial, geralmente das 9h às 18h, e tem tarefas administrativas ou assistenciais, dependendo da área designada.

Alguns exemplos de trabalho que eles cumprem são em assistência social, oferecendo suporte a programas sociais. No setor de Educação e Cultura, é possível auxiliar em atividades educacionais em escolas e contribuir para programas extracurriculares e culturais. Além disso, podem também atuar no apoio a eventos comunitários e festivais.

Quem tem dupla cidadania precisa se alistar?

Segundo a Embaixada da República da Coreia em São Paulo, a Coreia do Sul historicamente adotava uma política de nacionalidade única, mas, a partir de uma mudança na legislação em 2010, que entrou em vigor no ano seguinte, passou a permitir a dupla cidadania em casos específicos.

Homens sul-coreanos que queiram manter a dupla cidadania devem cumprir o serviço militar obrigatório, a menos que renunciem à cidadania sul-coreana até março do ano em que completam 18 anos, de acordo com o site da Administração de Recursos Humanos Militares da Coreia do Sul.

O brasileiro Samuel Jun quis garantir sua dupla cidadania quando se alistou em 2020.

“Meus pais são coreanos. Fui mais pela questão do passaporte coreano, que tem bastante benefício. E caso eu precise me mudar para lá, já tenho tudo resolvido”, conta.

Samuel explica que, por ser descendente de coreanos, morar fora da Coreia e optar pelo alistamento militar, o governo sul-coreano arca com os custos das passagens de ida e volta. Durante as folgas, ele também teve direito a três passagens a mais.

“Por exemplo, se eu tivesse uma folga de sete dias e quisesse voltar pro Brasil, eu podia pedir a passagem e eles pagavam ida e volta”, explica.

Ele só não conseguiu aproveitar o benefício porque serviu o Exército durante a pandemia, em um período que não podia viajar.

A rotina no serviço militar

Samuel Jun ao lado de seus companheiros de pelotão, todos em uniforme militar e equipados, posando para a foto ao ar livre. • Arquivo Pessoal

Samuel Jun conta que, primeiro, eles fazem o treinamento militar básico. Na época em que serviu, durava quatro semanas. Segundo o site oficial da Administração de Recursos Humanos Militares da Coreia do Sul, hoje em dia são cinco.

Ele confessa que no início ficou com medo do tipo de tratamento que encontraria no Exército.

“A gente vê essas séries militares, onde o pessoal apanha, sofre assédio, passa por várias coisas, mas, na real, foi bem diferente do que eu imaginava”, afirma. “Essas coisas aconteciam antes, mas melhorou muito ao longo dos anos. Então minha experiência foi bem tranquila”.

Um dos momentos que ele diz ter sentido um pouco de medo, mas ainda achou uma experiência interessante, foi quando usou uma granada.

“É bem controlado. Se o soldado falar que não se sente confiante, eles isentam a pessoa e tiram desse treinamento, por ser algo bem mais perigoso”, revela.

Todo dia Samuel acordava no mesmo horário e tinha uma boa alimentação – apesar de haver por perto lojas de conveniência para militares com opções de comidas menos saudáveis.

O cantor From20 disse que a alimentação não era nada de outro mundo.

“Mas, quando se está com fome, qualquer coisa parece gostosa”, brinca. “Na verdade, comendo de forma saudável e me exercitando regularmente, acabei saindo do Exército com um físico melhor do que antes”.

Os militares também podiam optar por várias oportunidades de estudo no dia a dia.

“Por exemplo, depois do horário de descanso, eles te dão uma ou duas horas caso você queira estudar. Também oferecem suporte, como bolsas pra aprender outros idiomas ou fazer cursos. Além disso, tem esportes, várias atividades diferentes… Todo ano eles criam novos programas”, revela Samuel.

From20 conta que é possível se dedicar a atividades criativas no tempo livre, além dos vários projetos culturais e artísticos que o Exército proporciona.

“Se alguém tiver interesse nessas áreas, acredito que há oportunidades para mostrar sua criatividade e talento. No meu caso, não participei de projetos oficiais, mas sempre que surgiam ideias musicais, eu anotava em um caderno e trabalhava nelas”, conta.

O uso do celular e restrições de redes sociais

Na foto, Joohoney, membro do grupo de k-pop MONSTA X. Ele foi dispensado em janeiro de 2025. • Reprodução/Instagram

Durante o treinamento básico, o recruta tem sua carteira, celular e outros pertences retirados.

“Fazem você colocar tudo numa caixa pra mandar pra um endereço na Coreia, para um parente, um amigo, seja lá quem for, porque não pode entrar com nada”, diz Samuel Jun. “No meu caso, minha avó mora lá, então mandei para ela”.

Segundo ele, a única possibilidade de contato durante as quatro semanas é semanal, através de um telefone público disponível.

“Só dá pra ligar pra alguém que esteja na Coreia. Eu até tentei ligar para o Brasil, mas não deu”, lamenta.

Depois desse período, após ser designado a uma base, um parente ou amigo pode enviar os pertences de volta, incluindo celular e cosméticos. Mas há algo que eles barram: roupa casual. Em dias de folga, Samuel disse que a regra era sair de uniforme.

“Mas todo mundo dava um jeito. Levava umas roupas escondidas pra trocar assim que saísse da base. Sempre tem essas coisas”, confidencia.

Sobre o uso do celular e redes sociais no resto do serviço militar, Samuel diz que os soldados podem pegar depois do fim do expediente e podem usar até 21h em dias de semana. No sábado e domingo, eles recebem de manhã e devolvem, também, às 21h.

“A gente pode usar à vontade, mas a câmera fica bloqueada. Tem um aplicativo que eles instalam no celular que bloqueia”, afirma. “Só que, como eu disse, todo mundo dá um jeito de burlar certas regras. Tinha gente que desinstalava o app e conseguia tirar foto”.

Mesmo assim, fotografar dentro da base ou de certas áreas é estritamente proibido. Se o soldado for pego, pode até ser preso.

“Para tirar foto da maneira correta, tem que pedir para um superior. Aí ele usa a câmera dele e tira pra gente, em um lugar mais tranquilo, tipo no quarto ou ao ar livre. Então dá pra registrar alguns momentos”, informa.

Como tirar mais folgas

Segundo Samuel Jun, os soldados que cumprem o serviço militar obrigatório têm direito a 21 folgas ao longo dos 18 meses de serviço. No entanto, há maneiras de conquistar dias extras de descanso.

Os soldados podem ser recompensados com folgas extras ao se destacarem em testes físicos ou de conhecimento, ao participarem de cursos ou ao subirem de classe dentro da hierarquia interna.

Samuel conseguiu 60 dias de descanso durante o período que serviu.

“Mas na época da pandemia eu não consegui sair muito. Então tive que usar tudo no final, por isso acabei sendo dispensado meio que dois meses antes”, relata.

Lições para a vida

From20 disse que apesar do período ter criado uma lacuna em sua carreira, tentou encarar a situação como uma oportunidade de crescimento.

“Tive tempo para organizar meus pensamentos e pude refletir profundamente sobre que tipo de música quero fazer no futuro e que tipo de artista quero ser”, revela. “Acho que, por isso, quando fui dispensado, pude trabalhar na minha música com mais confiança”.

E ele sente que levará certas lições para a vida.

“Acho que as principais foram paciência e trabalho em equipe. No exército, trabalhamos como um grupo, não como indivíduos, então precisamos aprender a cooperar. Além disso, mentalmente foi um grande aprendizado para nunca desistir, independentemente da situação”, reflete.

A experiência também o fez olhar para a vida de forma diferente. Antes, vivia tendo incertezas sobre o futuro e se perguntava se estava no caminho certo.

“Mas, durante o serviço militar, aprendi a ser grato pelas pequenas coisas e a focar no presente. Essa experiência me ajudou a desenvolver uma mentalidade mais forte como artista depois da dispensa”, conclui.

Ele, inclusive, tem um conselho para os idols que estão preocupados com o alistamento:

“Muitas oportunidades surgem depois da dispensa. Acredito que dias melhores sempre virão. O serviço militar não é fácil, mas, assim como eu, muitos artistas encaram esse período como uma chance de crescimento e voltam ainda melhores”, afirma.

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