Trump usa brancos da África do Sul como alerta a EUA – 17/03/2025 – Mundo


Se ouvirmos o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e alguns de seus apoiadores mais próximos, acreditaremos que a África do Sul seja um lugar terrível para pessoas brancas. Elas enfrentariam discriminação, seriam afastadas de empregos e viveriam sob a constante ameaça de violência ou de terem suas terras roubadas por um governo corrupto liderado por negros que deixou o país caótico.

Os dados contam uma história diferente. Embora os brancos representem 7% da população do país, eles possuem pelo menos metade das terras da África do Sul. As estatísticas policiais não mostram que eles são mais vulneráveis a crimes violentos do que outros. E os sul-africanos brancos estão em uma situação muito melhor do que os negros em praticamente todos os indicadores econômicos.

No entanto, Trump e seus aliados têm promovido sua própria narrativa sobre a o país para sustentar um argumento doméstico: se Washington não reprimir as tentativas de promover a diversidade, os EUA se tornarão um foco de disfunção e discriminação contra brancos.

“Isso alimenta os medos dos brancos nos EUA e em outros lugares: ‘Nós, brancos, estamos ameaçados'”, diz Max du Preez, um escritor e historiador sul-africano branco, sobre a descrição de Trump de seu país. Os brancos, no entanto, prosperaram desde o fim do apartheid, em 1994, afirma ele.

Nos últimos anos, tornou-se comum entre apoiadores de Trump traçar paralelos entre as tentativas da África do Sul de desfazer as injustiças do apartheid e a longa luta nos EUA para enfrentar a escravidão, as leis de Jim Crow e outras formas de discriminação racial.

O ativista branco Ernst Roets, escritor e cineasta na África do Sul, diz que quando falava com conservadores de mentalidade semelhante à sua nos EUA, eles frequentemente lhe diziam: “Precisamos olhar para a África do Sul, porque é isso que nos espera se não formos cautelosos”.

Após a queda do apartheid, há três décadas, um governo democrático da África do Sul subiu ao poder com a promessa de desfazer as desigualdades de um sistema que deixou grande parte da maioria negra do país na miséria. No entanto, o presidente Nelson Mandela permitiu, em grande parte, que os sul-africanos brancos mantivessem sua riqueza, em um esforço para manter uma transição pacífica para a democracia.

Seu partido, o Congresso Nacional Africano, tentou reduzir a desigualdade racial no país. Mais recentemente, a África do Sul promulgou uma lei que permite ao governo tomar terras privadas de interesse público, às vezes sem fornecer compensação.

A lei ainda não foi usada, mas alguns sul-africanos brancos —e Trump— dizem que ela visa injustamente os proprietários de terras e agricultores comerciais do país, que permanecem majoritariamente brancos, apesar de décadas de políticas anti-apartheid.

Trump construiu parte de sua identidade política como um protetor da América branca. Ele lutou para salvar símbolos dos Estados Confederados do Sul (grupo de estados americanos que defendia a escravidão durante a Guerra de Secessão), criticou o letramento racial como “propaganda antiamericana” e defendeu publicamente supremacistas brancos.

Cortar a ajuda para a maior parte da África enquanto defende os africânderes —a minoria branca na África do Sul que liderou o governo do apartheid— parece ser a mais recente ilustração do compromisso de Trump com os interesses brancos.

No mês passado, o presidente assinou um decreto na qual concedeu status de refugiado aos africânderes e suspendeu toda a ajuda ao país, em parte em resposta à lei de reforma agrária sul-africana.

No início deste mês, ele disse nas redes sociais que os EUA ofereceriam um caminho rápido para cidadania aos agricultores sul-africanos, muitos dos quais são africânderes. Na sexta-feira (14), o secretário de Estado americano, Marco Rubio, expulsou o embaixador da África do Sul nos EUA, Ebrahim Rasool, e falou que o diplomata é “um político que incita o ódio racial e odeia os EUA”.

“Trump está sinalizando para os brancos em todos os lugares que usará seu poder para proteger e avançar seus interesses, independentemente dos fatos”, diz Khalil Gibran Muhammad, professor de estudos afro-americanos na Universidade de Princeton.

Alguns africânderes acolheram o apoio de Trump. Ativistas viajaram para Washington no mês passado para fazer lobby por mais apoio de seu governo. Um funcionário da Casa Branca descreveu a delegação africânder como líderes de direitos civis.

Há muito aliados de Trump destacam as queixas dos africânderes. O bilionário Elon Musk, que nasceu na África do Sul, mas não é de ascendência africânder, acusou o governo do país de promover leis racistas e afirmou falsamente que agricultores brancos na África do Sul estavam sendo mortos todos os dias.

Depois que o ativista branco Roets apareceu no programa de Tucker Carlson na Fox News, em 2018, o apresentador publicou nas redes sociais que “agricultores brancos estão sendo brutalmente assassinados na África do Sul por suas terras”. Posteriormente, ele exibiu um programa descrevendo o que seriam apreensões de terras e homicídios no país.

Trump, que estava em seu primeiro mandato na época, marcou Carlson em uma publicação nas redes sociais para dizer que estava ordenando uma investigação sobre apreensões de terras “e assassinato em larga escala de agricultores” na África do Sul, embora até hoje nenhuma fazenda tenha sido apreendida pelo governo.

No círculo de Trump, esses temas estão agora sendo evocados como sinais de alerta para os EUA.

Muitos eleitores sul-africanos, independentemente de sua raça, concordam que o Congresso Nacional Africano criou um país assolado por corrupção, infraestrutura precária, alta criminalidade e desigualdade, com pobreza persistente entre os negros. Na última eleição, o partido perdeu sua maioria absoluta no Parlamento pela primeira vez desde o fim do apartheid.

Analistas observam que a sigla fez grandes esforços para adotar políticas orientadas para o mercado que permitiram aos sul-africanos brancos manter seu poder econômico. De fato, muitos sul-africanos criticam Mandela por não exigir uma reforma agrária mais agressiva para compensar sul-africanos negros, cujas famílias foram expulsas de suas terras durante o apartheid e os tempos coloniais.

Os apoiadores da lei de terras aprovada recentemente esperam que o dispositivo acelere o objetivo de longa data de devolver terras aos sul-africanos negros. Mas, para Trump, são os africânderes que são as “vítimas de discriminação racial injusta”, como ele disse em seu decreto assinado no mês passado.

Descendentes principalmente de colonizadores holandeses que chegaram ao sul da África em 1652, os africânderes atraíram atenção no início dos anos 1900 por serem uma pequena tribo que enfrentou o poderoso Império Britânico em batalhas por território (embora tenham perdido a guerra). Na época, os britânicos desprezaram os africânderes como incultos, e essas lutas semearam divisões amargas entre as duas maiores populações brancas da África do Sul que existem até hoje.

Embora Trump geralmente tenha tentado proibir refugiados ou solicitantes de asilo de entrar nos EUA, ele abriu uma avenida especial para alguns africanos brancos entrarem no país. Isso não necessariamente alinhou-se com os desejos de seu público-alvo. Muitos africânderes disseram que, embora apreciem o apoio de Trump a suas reivindicações de perseguição, prefeririam ficar na África do Sul, que consideram seu lar legítimo.



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