Não somos ratos na gaiola do feed – 23/03/2025 – Giovana Madalosso


Não esqueço do momento em que resolvi sair do Facebook, há uns cinco anos. Estava insegura: e se perdesse o contato com meus amigos? E se nunca mais conseguisse achar alguns deles? E se isso afetasse a venda dos meus livros? A insegurança era tanta que fiquei aliviada em saber que a rede guardaria meus dados por trinta dias, caso eu me arrependesse e resolvesse voltar. Cliquei o botão de saída. Um dia depois eu nem lembrava mais que o Facebook existia.

Com o Twitter foi quase a mesma coisa. Quando o perverso comprou a bodega e começou a lançar as suas bravatas, decidi cair fora. Minha rede lá não era tão grande. O maior receio era perder os textos dos jornalistas e cientistas que eu seguia. Mas a vontade de dar o dedo do meio para a rede era maior, tanto que deslizei quase eroticamente a minha falange sobre o mouse e saí. Dei uma compensada assinando alguns ótimos jornais estrangeiros. Agora, quando lembro daquele lugar, só sinto alívio: não preciso mais beber uma dose diária de fel.

Nos últimos tempos a água bateu com força no Instagram. “Meta deixará a moderação nas mãos dos usuários e acabará com punições.” “Meta recua em programas para promover diversidade e inclusão.” Que festinha mais caída! Só não saí porque gosto de alguns dos frequentadores. Nessa rede formei uma comunidade grande e bacana com o suor dos meus posts. Não é meu caso, mas entendo a relutância de certos influenciadores em sair da rede de onde tiram o seu ganha-pão. O conteúdo em si não é um problema, pode ser baixado e levado para outro app, mas como fazer com os seguidores?

Saídas simples não existem, mas é bom lembrar que não vivemos num mundo de uma rede só. É possível diversificar, migrar ou até mesmo se afastar temporariamente —somos como ratos presos em uma gaiola cuja roda é o feed. Só que não somos ratos: temos liberdade para sair dessa gaiola.

E como a vida é melhor fora dela. De alguns meses para cá, fico umas 48 horas seguidas por semana na rede para postar minhas coisas de trabalho, depois faço log-out, só voltando uns dias depois.

É impressionante o bem-estar que sinto nesses dias em que não fico cutucando toda hora o celular em busca daquele scroll que, na hora, parece aliviar a ansiedade, mas, na verdade, só causa mais ansiedade ainda.

As redes também têm seu lado positivo, mas a vida boa mesmo acontece no presencial, no olho no olho, nas conversas em que você percebe a reação do outro, em que você pensa duas vezes antes de destilar seu ódio, em que você consegue tocar as coisas, amar com o corpo e jamais linchar uma outra pessoa.

Vivi trinta anos sem nenhuma rede social, fazendo amizades, reencontrando velhos colegas, me apaixonado, produzindo, tendo meu trabalho divulgado e reconhecido. Cada um de nós tem uma potência muito maior do que geralmente imagina. E cada qual faz o que quer com ela, mas uma coisa é certa: ninguém precisa aceitar migalhas de ética dos donos de certas selvas digitais para continuar vivendo bem.


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