Diálise peritoneal dá autonomia, mas é subutilizada no SUS – 23/03/2025 – Equilíbrio e Saúde


A professora Carolina Barbieri, 39, vive com doença renal crônica desde os 27 anos. Todas as noites, enquanto dorme, uma máquina filtra as impurezas que seus rins não conseguem mais eliminar pela urina, na diálise peritoneal. Já a aposentada Gleidiane Tavares, 41, percorre 1.440 km por semana para passar quatro horas no hospital conectada a um equipamento para a hemodiálise.

A SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia) estima que mais de 157 mil brasileiros com doença renal crônica dependem da diálise para sobreviver. O tratamento pode ser realizado em duas modalidades: diálise peritoneal, feita em casa pelo próprio paciente ou cuidadores, e hemodiálise, realizada em ambiente hospitalar.

Nos últimos dois anos, o Ministério da Saúde registrou 171.882 atendimentos de diálise peritoneal no SUS (Sistema Único de Saúde), com um repasse de R$ 46,5 milhões para o serviço, enquanto a hemodiálise teve 36.438.905 atendimentos e um repasse de R$ 9,3 bilhões.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a doença renal crônica afeta uma em cada dez pessoas no mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 6,7% da população adulta viva com a doença, com prevalência triplicada entre os idosos.

A condição consiste na lesão renal progressiva e irreversível, o que compromete a capacidade do rim de filtrar o sangue e eliminar resíduos nocivos ao organismo por meio da urina. Os sintomas, como inchaço e mudanças no xixi, costumam surgir apenas em estágios avançados da doença.

Apesar da diferença de repasses, são poucas as situações em que o paciente não pode realizar a diálise peritoneal, segundo a nefrologista Maria Júlia Araújo, do Hospital Nove de Julho. Um exemplo é o de pacientes que passaram por cirurgias abdominais, pois o peritônio pode estar comprometido, o que reduz a eficiência do tratamento.

A diálise peritoneal também não é recomendada para pacientes com dificuldades motoras ou cognitivas, que não tenham capacidade de fazer o tratamento de forma autônoma, e para aqueles que não têm um ambiente adequado, limpo, sem umidade ou contaminação, para armazenar o material necessário, como bolsas de solução de diálise, cateter e produtos para manutenção e cuidados. “A escolha entre as modalidades deve ser individualizada de acordo com as necessidades de cada paciente, avaliando também as suas preferências”, diz.

Os principais fatores de risco para a doença incluem hipertensão, diabetes, tabagismo, obesidade e o próprio envelhecimento, afirma Daniela Ponce, professora do Departamento de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu.

A prevenção envolve acompanhamento médico para pacientes com fatores de risco e adoção de hábitos saudáveis. O diagnóstico precoce pode retardar a progressão da doença e evitar ou postergar a necessidade de diálise.

“Uma vez afetada a função do rim, não há reversão, mas podemos desacelerar a piora, impedindo que o paciente precise de diálise ou postergando esse momento por anos”, diz.

Carolina Barbieri viveu nove anos com o diagnóstico antes de precisar de diálise. A doença surgiu após a gestação de seu segundo filho, quando teve pressão alta e pré-eclâmpsia, uma complicação da gravidez que afeta órgãos como os rins.

Para evitar a piora, adotou hábitos mais saudáveis, como atividade física e alimentação balanceada. No entanto, após contrair Covid-19 em 2021, sua função renal foi gravemente impactada, o que exigiu sessões de hemodiálise.

“Fiquei 10 kg acima do peso, extremamente inchada, não conseguia andar, sentia falta de ar e cansaço extremo. Minha pele coçava muito, eu tinha náuseas e fraqueza”, lembra.

Com a estabilização do quadro, os médicos recomendaram a diálise peritoneal, permitindo que ela continuasse no trabalho de professora universitária e no cuidado em casa com os filhos.

“Hoje faz parte da minha rotina. Meu tratamento acontece enquanto durmo, sem dor nem incômodo.”

O nefrologista Yussif Ali Mere, presidente da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante, explica que a diálise peritoneal requer um procedimento cirúrgico prévio para a implantação de um cateter na cavidade abdominal.

O cateter permite a entrada e saída do líquido de diálise, que filtra o sangue de forma indireta. O dispositivo permanece no corpo do paciente, mas permite que ele trabalhe e siga com a rotina, protegido com um esparadrapo adequado.

Para Mere, a diálise peritoneal e a hemodiálise não concorrem entre si, são alternativas. “Na diálise peritoneal, o próprio peritônio (membrana que reveste os órgãos do abdômen) atua como filtro. Um líquido especial é inserido na barriga por meio de um cateter, absorve toxinas e excesso de líquidos e depois é drenado”, afirma Mere.

Já na hemodiálise, realizada em clínicas ou hospitais, o sangue é retirado do corpo, filtrado por uma máquina e devolvido ao paciente, geralmente três vezes por semana, em sessões de cerca de quatro horas.

Araújo reforça que, por ser uma doença silenciosa e diagnosticada em estágios avançados, a insuficiência renal costuma exigir diálise imediata.

Foi o caso de Gleidiane Tavares, que se sentiu mal e, ao chegar ao hospital, já iniciou com a hemodiálise. “Tive várias crises renais, infecções urinárias frequentes, e meu xixi espumava e continha sangue”, conta.

Moradora do interior do Piauí, Tavares percorre 480 km três vezes por semana para realizar o tratamento. Ela afirma que os médicos nunca mencionaram a possibilidade de diálise domiciliar, mas que já está acostumada com a rotina hospitalar.

Como fazer diálise peritoneal no SUS

Para acessar o tratamento, o paciente deve passar por avaliação médica em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) e, se necessário, ser encaminhado a um nefrologista, que definirá a modalidade mais adequada.

O presidente da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante afirma, no entanto, que a diálise peritoneal não é amplamente utilizada devido à redução progressiva da remuneração para as clínicas de diálise conveniadas do SUS que oferecem o serviço.

Segundo ele, embora o procedimento tenha um custo parecido com o da hemodiálise, o modelo de financiamento do SUS não cobre de forma suficiente os gastos com insumos e logística, o que pode dificultar sua adoção em larga escala.

Para Mere, o tratamento exige uma logística complexa, já que o paciente precisa receber mensalmente um grande volume de bolsas com solução para a diálise, o que demanda armazenamento adequado e transporte frequente.

“Se a remuneração do SUS não cobre adequadamente esses custos, as clínicas e profissionais priorizam a hemodiálise, que tem um modelo de financiamento mais estruturado”, diz.

O Ministério da Saúde diz que o fornecimento de materiais e equipamentos da diálise peritoneal é feito por meio de contratos de gestão e convênios, sendo a aquisição e distribuição de insumos responsabilidade de estados e municípios.



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