Reginaldo Prandi estreia no teatro com peça sobre pecados – 24/03/2025 – Ilustrada


O teatro não estava nos planos do sociólogo Reginaldo Prandi, 79, um bem-sucedido escritor e acadêmico renomado. No entanto, o professor emérito da Universidade de São Paulo não resistiu a uma provocação do ator Rico Malta e, a partir de uma cena curta de dois irmãos conversando em uma cozinha, escreveu “Os Pecados da Salvação”, que estreia nesta quarta-feira (26) no teatro Casa Coletivo Comum, na Bela Vista, região central de São Paulo.

Autor do best-seller “Mitologia dos Orixás”, Prandi é especialista em sociologia da religião e, para escrever a peça, releu o “Inferno”, de Dante Alighieri, e o Código de Direito Canônico —o conjunto de leis que estruturam a Igreja Católica. Criou a história de irmãos que, ao procurarem a mãe desaparecida, se deparam com situações que os levam a cometer atos impróprios e até criminosos.

O drama, em um ato e dez cenas, estrelado por Malta e Zaqueu Machado, é inspirado nos pecados bíblicos e também nos pecados diários dos homens comuns. “A escrita do Prandi me fascina. Estamos entregando um espetáculo que dialoga muito com sua obra”, diz Malta.

“Em cada aventura, eles vivem um pecado diferente. Até que eles chegam na capital”, afirma Prandi, que também fez parte do grupo que fundou o Datafolha, instituto independente de pesquisa de opinião do Grupo Folha. Tudo o que os irmãos fazem é em nome da mãe, que precisam encontrar. A transformação dos dois jovens inocentes em homens cruéis ocorre no percurso do mundo rural à cidade grande, da pequena casa da família ao caos urbano.

Não é a primeira vez que as memórias interioranas aparecem na obra do autor, nascido em Potirendaba, em São Paulo. No romance “Motivos e Razões para Matar e Morrer”, de 2022, ele retrata, numa pequena cidade, o Brasil que entra na modernidade, na década de 1950, para, logo em seguida, encarar as duas décadas da ditadura militar.

A construção de Brasília, o disco “Chega de Saudade”, de João Gilberto, que inaugura a bossa nova, e o avião Caravelle, da Varig, são símbolos do futuro que chega e assusta. Para escrever o livro, Prandi mergulhou no acervo da Folha, ouviu músicas e assistiu a filmes da época.

Escrever uma peça é novidade, mas o teatro não é novo na vida do sociólogo. Quando era um jovem universitário, na década de 1970, fez um curso com a dramaturga e guerrilheira Heleny Guariba.

Guariba foi presa e sumiu das aulas, sem que os estudantes tivessem certeza sobre o motivo. Prandi chegou a encontrá-la no presídio Tiradentes, em São Paulo, um dos lugares para onde ela foi levada após ser alvo da Operação Bandeirante.

Ele entrou no presídio para conversar sobre uma pesquisa em andamento com uma estudante detida e conseguiu falar com a professora. Quando saísse, disse Guariba, o grupo continuaria a formação, que havia estacionado no estudo de Bertolt Brecht. A professora nunca voltou.

“Minha experiência de teatro era de espectador e também de um dia ter feito um curso que nunca terminou”, afirma ele, que já planeja uma segunda peça, sobre o interrogatório de um prisioneiro, que reage a perguntas feitas em off, conforme as emoções de orixás serão refletidas em transes do personagem.

Os 80 anos de Prandi serão comemorados com um evento organizado pela Companhia das Letras em parceria com o Sesc, previsto para 2026. O sociólogo, no entanto, já vive um momento de agenda cheia que coincide com a chegada às oito décadas de vida.

Além da estreia de sua primeira peça, ele acaba de lançar o livro “Brasil Africano: Orixás, Sacerdotes, Seguidores”, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os eventos ocorreram em parceria com o escritor italiano Bruno Barba, que lançou o livro “Meu Caso de Amor com o Brasil”.

“Brasil Africano”, da editora Pallas, é uma coletânea de artigos escritos e publicados nos últimos 50 anos, montando um panorama das mudanças sociais e religiosas a partir de pesquisa centrada no candomblé, na umbanda e em outras manifestações religiosas de origem africana e indígena.

As pesquisas começaram quando Prandi trabalhava no Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com o professor Cândido Procópio Ferreira de Camargo, nome fundamental na área da sociologia da religião no Brasil.

“Sempre perguntávamos: o que é essa religião? O que uma religião pode fazer para ajudar, atrapalhar ou interferir no desenvolvimento econômico, política, social e cultural do Brasil?” O resultado desses e de outros questionamentos é uma vasta e premiada obra, que inclui sociologia, mitologia, literatura infanto-juvenil, ficção e, agora, a dramaturgia.



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