“Foi difícil para caramba fazer carreira solo, quando ele morreu eu pensei ‘pronto, acabou’”, diz o cantor Daniel, tomando um café enquanto conversa com a reportagem na sala da sede de sua maior fazenda, em Brotas, a 250 km de São Paulo.
São mais ou menos 10 horas, e o cantor já está acordado —e trabalhando— desde antes de o sol nascer. No dia da entrevista não tinha gravação do programa, mas ele, o pai, um dos irmãos e uma equipe técnica de umas 80 pessoas gravavam merchandising para as marcas Chevrolet —patrocinadora do primeiro Viver Sertanejo, que foi ao ar em dezembro de 2024—, Claro e Cresol, uma cooperativa de crédito voltada para o agronegócio.
“Eu sou muito pé no chão, nunca ia deixar de cantar, mas não ia insistir na carreira solo se não desse certo. E não tinha porque continuar depois que ele morreu”, afirma. Mas Daniel não teve nem tempo direito para decidir abandonar a vida de artista.
“Uns 40 dias depois do acidente eu fiz o primeiro show solo no Olympia [casa de espetáculos com 5.000 lugares que durou de 1988 a 2006, em São Paulo]. Era um sonho da gente. Até hoje não sei como consegui entrar naquele palco”, conta. “A plateia estava lotada, parecia que as pessoas queriam me pegar no colo, foi uma sensação muito louca. E eu tive certeza de que não estava ali sozinho”, diz.
João Paulo morreu em um acidente de carro na madrugada do dia 12 de setembro de 1997, quando voltava para Brotas depois de um show em São Caetano do Sul. Tinha 37 anos. A dupla com Daniel foi formada em 1981. E tinha estourado no ano anterior com o lançamento do álbum “João Paulo e Daniel Vol. 7”, que tinha o hit “Estou Apaixonado”, versão para o português de uma música da dupla latina Donato & Estefano, um colombiano e um cubano.
“É muito legal ter um parceiro, não só para cantar em dupla mas para te apoiar no palco quando você não está 100%”, diz o cantor. “Ter alguém para comemorar as coisas boas e sofrer junto as dificuldades, isso é maravilhoso.”
“Eu e o João Paulo passamos por umas situações horríveis no começo da carreira. Tinha empresário que ouvia nossa música no rádio e contratava um show, aí chegava o cartaz da banda e eles viam que era um branco e um negro e cancelavam”, lembra.
“Eu não aceitava, ia cantar mesmo sem cachê, achava inadmissível testemunhar o racismo assim”, afirma. “Aconteciam várias coisas incômodas, tinha gente que vinha conversar e insinuava que se eu encontrasse outro parceiro ia ser melhor para a minha carreira. Eu nunca nem cogitei uma coisa dessas.”
“Até hoje eu sinto falta dele, toda hora invento um jeito de cantar junto com outras pessoas. O Viver Sertanejo está suprindo muito essa minha necessidade, mas esse projeto não é meu, fui convidado. E não aceitei de cara porque não quero mais passar muito tempo longe da minha família.”
Daniel é casado desde 2010 com Aline de Pádua, uma jundiaiense, e o casal tem três filhas, Lara, de 15 anos, Luíza, de 12, e Olívia, de 3. “A Globo me ligou falando do projeto e eu disse que só faria se fosse gravado aqui em Brotas. Eles vieram conhecer a fazenda, e viram que dava certo, aí começamos a trabalhar.”
O sucesso de audiência foi imediato. Em média, o programa dá nove pontos de Ibope, cinco a mais que a concorrência no horário. E, o mais importante de tudo para a emissora, o Viver Sertanejo aumenta a audiência ao longo dos 45 minutos de duração, ou seja, o programa começa com um número X de TVs ligadas e termina com um número maior ainda.
O contrato inicial era para que Daniel gravasse 18 episódios, em que receberia músicos para uma conversa informal e, depois, cantariam juntos. Os convidados também teriam oportunidade de gravar suas músicas em um estúdio improvisado dentro de um galpão construído pelo cantor para ser um lugar de lazer da família.
Você liga o rádio e não reconhece quem está cantando, tá tudo muito igual. Acho que os jovens estão sentindo isso e ficando meio carentes, voltaram a ouvir os mais antigo
Assim que o terceiro programa foi ao ar, no meio de janeiro deste ano, a equipe recebeu a notícia: “Virou grade”. Isso quer dizer que agora o Viver Sertanejo faz parte da programação oficial da TV Globo, assim como o Jornal Nacional, o Fantástico, a novela das nove.
Naquela segunda-feira de manhã, entre uma tomada e outra da gravação de um merchandising com a participação de seu pai, o empresário Zé Camillo, em que os dois conversam apoiados em uma porteira da fazenda, Daniel pergunta como está o preço da arroba, que corresponde a 15 kg de carne antes do abate.
Ele vive assim, com um olho no peixe e outro no gato, como se diz por aí. Sua carreira de artista, apesar do baque da perda do amigo e parceiro, atingiu um nível de sucesso que a dupla com João Paulo nem sonhava. E Daniel, por orientação do pai, começou cedo a investir em terra, principalmente na sua cidade, de onde nunca saiu.
Hoje é um grande fazendeiro, com muita, muita terra. Tem gado, milho, cana, alguns bons cavalos para montar com a família. E ainda empresta um trecho para um dos irmãos criar ovelhas. Também não faltam opções de lazer. A sede foi construída na frente de um lago, e, para as meninas, mandou construir uma casinha suspensa por palafitas com cozinha, ar-condicionado, móveis, TV, wi-fi.
Tem ainda uma quadra de beach tênis e está terminando a construção de uma casa de pedra, ainda sem saber ao certo como vai usá-la. Fica na frente de um mirante, também construído sobre palafitas, com uma mesa e dois bancos, onde o cantor vai para ter um pouco de silêncio e sossego para compor, ou só pensar na vida.
Além das terras, Daniel comprou em 2006 o único cinema de Brotas, o Cine São José, inaugurado em 1956, e que estava fechado e esquecido havia décadas. Foi reformado e inaugurado em grande estilo em 2009, com o filme “O Menino da Porteira”, em que o cantor era o protagonista.
Foi o auge, até agora, da carreira de ator de Daniel, que teve início em 1998 com um convite de Xuxa para que ele participasse do filme “Xuxa Requebra”, lançado no ano seguinte. Quatro anos depois, a convite de Renato Aragão, participou do filme “Didi, o Cupido Trapalhão”, de 2003. Aí, em 2009, Daniel viveu o personagem principal de “O Menino da Porteira”, inspirado na música homônima, um dos maiores hits da música sertaneja, de 1955.
No mesmo ano fez a novela “Paraíso”, de Benedito Ruy Barbosa, em que interpretava o personagem Zé Camillo, escrito em homenagem ao pai do cantor. Desde então participou de vários programas como jurado e foi um dos técnicos de voz do reality The Voice Brasil, também da Globo.
Hoje em dia, o cine São José passa duas sessões diárias do filme “Branca de Neve”, uma às 18h e outra às 21h, sempre dublado. No lobby, uma franquia do Fran’s Café funciona todos os dias, das 9 às 21h. Em uma das mesas bem na porta do cinema, uma réplica do cantor feita por uma fã em papel machê, sentado, de perna cruzada, toma um café cenográfico.
Andar por Brotas, aliás, é ver Daniel por todos os lados. Além de fotos ou desenhos autografados e emoldurados, como se vê de muito artista mundo afora, há na cidade uma série de totens de tamanho natural com imagens ultrarrealistas do cantor, que chegam a assustar.
Ele conta que teve a ideia depois de se ver em imagens de má qualidade pela sua cidade e não gostar nem um pouco. Então, junto de Vandinho, seu braço direito, fez uma sessão de fotos exclusivamente para serem usadas por quem quisesse associá-las ao seu negócio, ou ter em casa, em casos mais extremos. A equipe do cantor disponibiliza o arquivo em alta definição para quem quiser, e a pessoa paga pela impressão do totem.
Daniel confessa que é muito vaidoso. “Principalmente com o cabelo, cabelo quando cai não tem o que fazer, então cuido muito”, afirma. “Compro fora do Brasil uma espuminha de Minoxidil que passo todo dia, há mais de 15 anos. E faço umas coisinhas mais tecnológicas também, microagulhamento no couro cabeludo”, diz.
No rosto, conta que começou a fazer alguns procedimentos, ou “coisinhas tecnológicas”, como ele gosta de dizer. “Depois dos 50 a gente tem que se cuidar, acho importante ter uma boa aparência”. A alimentação também é ultra regrada e faz muito esporte, desde criança. “Gosto muito de correr, já fiz duas meias maratonas, em Madri e em Mendoza, na Argentina. E ainda vou na academia, faço exercícios com eletroestimulação, para ganhar tempo”, conta.
Quando digo que tive a impressão de que os convidados do programa, especialmente os mais jovens, estão com a aparência de quem faz “coisinhas tecnológicas” em excesso, ele ri, concorda e elogia meu olho clínico. O que, na verdade, ninguém precisa para notar as testas e sobrancelhas paralisadas de alguns sertanejos. O figurino de vários deles também é idêntico: calça jeans bem justa e camisa de botão com manga longa, rente ao corpo, vestida por fora da calça.
“Isso é natural, pode ser até uma influência da minha geração, que usa esse tipo de roupa”, ele diz. Daniel, de fato, está vestido exatamente assim nesta manhã, com uma camisa xadrez. “Eu também fazia isso quando comecei, tinha o cabelo mais comprido atrás, que nem o Xororó.”
Eu e o João Paulo passamos por umas situações horríveis no começo da carreira. Tinha empresário que ouvia nossa música no rádio e contratava um show, aí chegava o cartaz da banda e eles viam que era um branco e um negro e cancelavam
O que o incomoda é que as novas duplas sertanejas estão soando muito parecidas. “Você liga o rádio e não reconhece quem está cantando, tá tudo muito igual. Acho que os jovens estão sentindo isso e ficando meio carentes, voltaram a ouvir os mais antigos, Leandro e Leonardo, João Mineiro e Marciano, Chitão e Xororó, Matogrosso e Mathias. Eu sinto isso, sabe?.”
Então pergunto o que ele gosta de ouvir. “Recentemente, recebi no programa uma dupla gospel sensacional, André e Felipe, adorei o trabalho deles. Mas eu gosto de tudo, gosto de música boa, não importa o estilo”, afirma. “De sertanejão mesmo eu curto Tião Carreiro e Pardinho. E Zezé Di Camargo e Luciano, aquelas músicas dos anos 1990, tem obras de arte ali.”
“Minhas filhas também me trazem muitas novidades, tenho ouvido muito Olivia Rodrigo, Taylor Swift, Camila Cabello, acho incríveis. Agora, você quer me ver botar um artista e ouvir a obra inteira, sem parar? Aí tem que ser Abba, Bee Gees, Whitney Houston ou Elton John. Sou muito fã”.