Três em cada quatro presos sem julgamento no Brasil são negros

No labirinto do sistema prisional brasileiro, a cor da pele funciona como critério de encarceramento. Um levantamento do Observatório Nacional de Direitos Humanos mostrou que 75% das pessoas presas no Brasil sem condenação são negras. A proporção confirma um padrão histórico de seletividade racial, aprofundado pelas desigualdades estruturais que atravessam as instituições de justiça e segurança pública.

Apesar de representarem 55,5% da população brasileira, segundo o Censo 2022 do IBGE, pessoas negras estão super-representadas nas prisões. O recorte se torna ainda mais drástico quando se observa apenas a população em prisão provisória, aqueles que, mesmo sem julgamento, já estão privados de liberdade. Nesse universo, três a cada quatro detentos são negros. O número revela uma distorção na aplicação da lei e sinaliza que a presunção de inocência não é distribuída de forma equitativa no país.

A prisão provisória, criada para casos excepcionais, tornou-se um instrumento de controle de determinados grupos sociais. Furto e tráfico de pequenas quantidades de drogas são os principais motivos dessas detenções, infrações que, em muitos casos, poderiam ser tratadas com medidas alternativas. No entanto, em vez de responderem em liberdade, milhares de brasileiros seguem encarcerados por tempo indeterminado, sem sentença.

Com mais de 840 mil pessoas privadas de liberdade, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial de população carcerária. O sistema opera acima do limite: a taxa de ocupação dos presídios ultrapassa 140%, com os maiores déficits registrados nas regiões Norte e Nordeste. A superlotação afeta sobretudo os presos provisórios, maioria nas unidades prisionais urbanas. A eles, somam-se obstáculos adicionais: morosidade nos processos, audiências adiadas e falta de acesso a uma defesa qualificada.

O relatório também evidencia o vínculo entre o racismo estrutural e o padrão de abordagens policiais. Os dados mostram que pessoas negras são mais revistadas, mais abordadas nas ruas e, consequentemente, mais sujeitas à prisão em flagrante. O encarceramento, nesse contexto, não decorre apenas da violação da lei, mas de um sistema que direciona seus mecanismos de punição com base em marcadores raciais e territoriais.

O ciclo se repete em diferentes instâncias: da periferia à cela, passando pelo camburão, pela audiência e pelas brechas do direito. A seletividade não se restringe à polícia, mas atravessa a estrutura inteira, dos tribunais sobrecarregados às defensorias sem recursos, das políticas públicas ausentes às decisões judiciais que naturalizam a prisão antes da culpa.

Como resposta, o relatório propõe um Plano Nacional de Combate ao Racismo no Sistema de Justiça, com ações como ampliação da Defensoria Pública em áreas periféricas, revisão sistemática das prisões provisórias com foco racial, criação de bases de dados públicas sobre raça e sistema penal, e formação antirracista para operadores do direito.

A proposta ainda está em fase de articulação entre os Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos. Enquanto isso, a realidade permanece: no Brasil, a ausência de julgamento não impede a aplicação de punição, desde que o corpo seja negro.

 

 

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