Mostra no Louvre desafia complexo de inferioridade da moda – 22/03/2025 – Ilustríssima


[RESUMO] “Louvre Couture”, a primeira exposição dedicada à moda da história do museu de Paris, leva às salas da instituição uma centena de objetos de alta-costura de estilistas e marcas consagrados. Ao expor vestidos e outras peças em meio às obras do acervo do Louvre, a mostra constrói uma narrativa atualizada que liberta a moda do seu complexo de inferioridade frente ao que se convencionou chamar de arte.

Pela primeira vez em sua história, o Louvre, em Paris, está promovendo uma exposição de moda. Não é pouca coisa, já que o museu mais visitado do mundo —são cerca de 9 milhões de visitantes por ano— funciona desde o século 18 em um palácio do século 12 que serviu de residência para muitos reis da França.

Agora, em meio à sua grandiosa coleção, o visitante vai se surpreender ao se deparar, por exemplo, com os soturnos vestidos pretos do estilista japonês Yohji Yamamoto (coleção 2015/2016) ou do georgiano Demna para a marca Balenciaga (2020), ambos instalados nos suntuosos apartamentos do imperador Napoleão 3º (1808-1873) com seus enormes candelabros de cristal, onde ouro é o que não falta.

A exposição “Louvre Couture: Objetos de Arte, Objetos de Moda”, em cartaz até 21 de julho, faz com que o museu francês se torne ainda mais impressionante.

O curador Olivier Gabet, diretor do Louvre, insere no acervo histórico do museu cerca de cem artefatos de moda, entre looks monumentais e acessórios, criados entre 1960 e 2025. A expografia confere à moda o mesmo status cultural e artístico das obras ao seu redor, construindo uma narrativa mais atualizada que a liberta de seu intrínseco complexo de inferioridade diante daquilo que se convencionou chamar de arte.

Os looks, a maioria de alta-costura, se camuflam tão bem que parece que a moda sempre desfilou pelas salas de artes decorativas da ala Richelieu, que abriga objetos da Idade Média até o século 18. Esses novos “objetos”, portanto, acabam trazendo uma contemporaneidade e um certo frescor no percurso expositivo, que cobre uma área de cerca de 9.000 m2 onde vale a pena se deixar perder —ou flanar, no melhor estilo parisiense.

Muitos objetos estão em destaque e são facilmente identificáveis, como o vestido de mosaico da dupla italiana Dolce & Gabbana (2013-2014) que reproduz um mosaico bizantino italiano da segunda metade do século 11 exposto logo à sua frente. Ou o vestido de malha de metal dourada de Gianni Versace (1998) que dialoga com a cruz também do período bizantino.

Mas outros, quando encontrados, trazem a deliciosa sensação de vitória em um jogo de caça ao tesouro, como a bolsa-pombo do inglês Jonathan Anderson (2022) ou o colar de Karl Lagerfeld para a Chanel (2010-2011), inseridos em vitrines do mesmo período.

Muitas vezes, os modelos são instalados sobre bases espelhadas, como que lembrando que é preciso refletir sobre a perspectiva histórica que se coloca entre o presente e o passado, um passado reverenciado por tantos estilistas.

Não são novidades a influência e o fascínio que a arte exerce sobre os criadores de moda, tendo inspirado looks antológicos ao longo do último século. No século 21, esse fascínio foi além do processo criativo, culminando com o financiamento de grandes espaços expositivos de arte contemporânea, como a Fundação Prada, em Milão e Veneza, a Coleção Pinault, em Paris e Veneza, e a Fundação Louis Vuitton, em Paris, além de premiações para artistas promovidas por marcas como a Loewe e a Chanel e das fundações dedicadas ao próprio legado dos estilistas, caso de Giorgio Armani, em Milão, e Dior, Yves Saint Laurent e Azzedine Alaia, em Paris.

Não é exagero dizer que ver criação e inspiração —ou apenas referência— colocadas lado a lado tão cirurgicamente no Louvre é algo de tirar o fôlego. É curioso, entretanto, observar que, embora o Louvre não tenha vestimentas em seu acervo (exceto o mantô e o colar da Ordem do Espírito Santo), elas estão presentes em toda a coleção, nos drapeados das esculturas greco-romanas ou dos marfins da Idade Média, nas cenas e personagens retratados em tapeçarias, baixos-relevos, bronzes, cerâmicas e, claro, em toda a história da pintura.

As peças de “Louvre Couture” foram garimpadas do acervo das próprias marcas, todas originais: do sapato Armadillo de 2010 de Alexander McQueen ao vestido drapeado de Charles de Vilmorin (2024-2025), do look renascentista de Jun Takahashi para a Undercover (2017-2018) ao flamejante vestido de Daniel Roseberry para a Schiaparelli (2022) ou o vestido-armadura de Demna para a Balenciaga (2023-2024). A exceção é o vestido da entrada, uma reprodução fiel do modelo criado por Christian Dior em 1949 em homenagem ao Museu do Louvre, que era de Gala Dalí, mulher do artista surrealista.

A Dior, aliás, se faz soberbamente presente com peças originais, com destaque para a pompa barroca do vestido de John Galliano de 2005 (de veludo vermelho, bordado, com barra de arminho, foi desfilado na época pela brasileira Ana Beatriz Barros) ou do conjunto que traz cartas de tarô bordadas da coleção 2018 de Maria Grazia Chiuri para a marca (Dior era obsessivamente supersticioso e não tomava decisões sem consultar madame Delahaye, sua cartomante e taróloga), entre outras.

Claro que é difícil ofuscar as três mulheres mais populares do museu francês: a obra-prima “Mona Lisa” (1503), de Leonardo da Vinci, e as esculturais “Vênus de Milo” (c. 150 a.C.) e “Vitória de Samotrácia” (c. 200 a.C.), “cenário” da clássica imagem de Audrey Hepburn usando um vestido vermelho Givenchy, com a echarpe esvoaçante no filme “Cinderela em Paris”, de 1957.

Mas, embora o Louvre parisiense não precise da moda para atrair seus visitantes, as exposições de moda têm se tornado porta de entrada para atrair um público mais jovem, além de serem verdadeiros blockbusters para grandes museus do mundo todo.

Entre as exposições recentes com recorde de visitação, estão “Corpos Celestiais: Moda e a Imaginação Católica” (2018), no Met Costume Institute em Nova York, com mais de 1,6 milhão de visitantes, e “Christian Dior: Estilista dos Sonhos” (2019), no Museu Victoria and Albert de Londres, com cerca de 600 mil visitantes, superando em 100 mil pessoas o público do fenômeno “Alexander McQueen: Beleza Selvagem” (2015), no mesmo museu.

Em uma época em que os museus, assim como as marcas de luxo, estão cada vez mais atrelados à performance de seus planos de negócio, a exposição “Louvre Couture” tem tudo para bater o recorde dos recordes.



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