Ex de fotógrafo brasileiro morto em Paris ainda vive luto – 24/03/2025 – Cotidiano


A cremação do corpo de Flávio de Castro Sousa, 36, no cemitério Père-Lachaise, e o envio das cinzas à família encerram nesta terça-feira (25) a parte burocrática relacionada à morte do brasileiro. O processo de luto continua, porém, para quem o conheceu de perto, como o francês Alex Gautier, que conviveu intensamente com Sousa em suas duas últimas semanas de vida.

Quatro meses depois, Gautier ainda busca uma explicação para a morte do fotógrafo brasileiro. Está se consultando com uma psicóloga. Relata distúrbios alimentares e crises repentinas de pânico. “É muito complicado para mim, porque sinto o luto do que vivemos e o luto do que poderia ter vivido com Flávio e que nunca vou poder viver”, disse à Folha.

Flávio desapareceu em 26 de novembro, dia em que deveria ter embarcado de volta para Belo Horizonte. Em 10 de janeiro, a polícia anunciou ter identificado por meio do DNA seu corpo, retirado das águas do rio Sena.

O consulado do Brasil apoiou os procedimentos para o envio dos objetos e das cinzas de Sousa para a mãe, Marta Maria de Castro, em Candeias (MG). Uma rifa virtual está ajudando a pagar a cremação, que custou, segundo pessoas próximas, cerca de € 3,5 mil (R$ 23 mil).

O estudante de moda de 23 anos ainda dorme com uma camiseta do fotógrafo. Mantém, sob a capa transparente do celular, as fotos de Flávio que usou para mostrar às pessoas durante as buscas pelas ruas de Paris.

O apoio de amigos de Flávio na França e de brasileiros que enviam mensagens pelas redes sociais tem ajudado Gautier. “Não sou crente, nem acredito em espíritos ou fantasmas, mas tenho a impressão de ter uma presença comigo, que é o Flávio. Acho que isso está no meu imaginário para eu avançar no meu luto.”

Ele se lembra do dia, hora e local em que se encontraram pela primeira vez: 14 de novembro, às 14h, na praça Royale, perto do museu do Louvre. Cerca de um ano antes, os dois tinham começado a trocar mensagens esporádicas pelo Instagram, por iniciativa de Flávio. No início de outubro, o brasileiro avisou que estava vindo a Paris para fotografar um casamento, e convidou Gautier a posar para um ensaio de moda.

Passearam pela cidade até meia-noite. “Desde o primeiro dia, foi o ‘coup de foudre’ [expressão francesa equivalente a “amor à primeira vista”] mútuo. Falamos de tudo e de nada, de nossas vidas, como se a gente se conhecesse havia muito tempo. Nos vimos todos os dias até o dia 25.”

Morador da periferia de Paris, Gautier conta que foi Flávio que o fez conhecer a capital francesa, e não o contrário.

O estudante diz não ter percebido nenhum sinal de depressão em Flávio. Conta que chegou a falar na possibilidade de visitar o Brasil no meio do ano. “Mas ele não me disse nem sim, nem não. Acho que ele tinha dúvidas, estava entre ‘vou fazer, não vou fazer’.”

Analisando os posts de Flávio nas redes sociais, Gautier comenta um, cuja trilha sonora é “Voyage, Voyage”, sucesso pop francês de 1989 cujo refrão diz: “Voyage, voyage / Et jamais ne reviens” (“Viaje, viaje / E não volte jamais”). “Segundo amigos, ele dizia: ‘É a viagem da minha vida.’ E, no fim, ele não ia voltar ao Brasil.”

No último dia que passaram juntos, Gautier acordou no apartamento que o brasileiro alugou, e foi para a escola onde estava fazendo um estágio. Os dois se encontraram no final da tarde em frente ao hotel Ritz. Caminharam durante cerca de uma hora, até o bairro de Châtelet, onde Flávio se despediu, dizendo que precisava fazer as malas e dar um “último passeio noturno”, sozinho.

“Na verdade, ele estava deixando indícios, mas eu não tinha como saber na época, era impossível. Para mim, era um passeio dele. Ele gostava muito de passear. Então isso não me deixou tão inquieto. Fiquei decepcionado [por não ir junto], mas disse a mim mesmo: é normal, é o estresse da viagem. Senti um clima pesado, mas achei que era porque íamos ficar sem nos ver por algum tempo”, conta.

As mensagens que Gautier mandou naquela noite ficaram sem resposta. Na manhã seguinte, Flávio escreveu avisando que estava no hospital Georges-Pompidou, perto da Torre Eiffel. Relatou que tinha bebido demais e caído no rio Sena, na altura da Île aux Cygnes, uma ilhota próxima dali. “Depois, me contaram que Flávio já tinha ido àquela ilha no dia 9, como se estivesse fazendo um reconhecimento”, diz.

O francês se ofereceu para ir até o hospital, mas Flávio garantiu que não era necessário. Ao longo do dia, deu notícias: foi à agência imobiliária prorrogar sua estadia –o incidente o fez perder o voo de volta para o Brasil, marcado para as 12h (horário de Paris) daquele dia. Depois avisou que tinha comido e ia para o apartamento dormir.

A última mensagem de Flávio foi às 19h30 locais: “Merci, mon Loulou” (“Obrigado, meu lobinho”) – referência ao apelido de infância de Gautier– com um emoji de coração alaranjado. Gautier acredita ainda que, por volta de meia-noite, Flávio viu uma publicação dele no Instagram.

No dia seguinte, alarmado com o silêncio do brasileiro, Gautier foi até o apartamento, mas ele já não estava lá. Na agência imobiliária, informaram que Flávio havia abandonado as malas no apartamento, fechadas, e que seu celular tinha sido encontrado em um vaso de plantas, em frente a um bistrô na margem do Sena, próximo ao local da queda da véspera. Começaram, então, as buscas. Até onde se sabe, Flávio não deixou bilhete ou mensagem de despedida.

Há algumas semanas, um ex de Flávio veio à França buscar a mala do fotógrafo. Na busca de explicações, Gautier conversou com ele. “Ele me contou que Flávio era uma pessoa maravilhosa. Fiquei feliz, porque Flávio não mentiu para mim. Acho que sinto a necessidade de conhecê-lo um pouco mais, o entorno dele, mesmo depois da morte”, conclui.



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